A “moça que queria trabalhar na Tupy” tem 24 anos de empresa
Roseli e o marido chegaram a Joinville vindos da lavoura em busca de mais qualidade de vida
Mas em todo lugar que pisava, — no terminal urbano, dentro dos ônibus sanfonados, entre os ciclistas e pelas ruas até então largas da cidade — os olhos só alcançavam a cor anil. Roseli não sabia do que se tratava, mas desde então teve a certeza de que, antes de conquistar a casa própria, queria estar entre os distintos uniformizados.
Roseli não conhecia a cidade, tampouco sabia o que a empresa produzia. Ela só descobriu quando o marido, Celso, deixou-se levar por aquela onda. “Sortudo!”, pensou ela. E o que antes se tratava de um mistério, passou a ser um sonho, quase que impossível de ser realizado.
Acontece que na Tupy dos anos 1990 poucas eram as mulheres que ocupavam cargos na empresa, já que a maioria das funções era destinada aos homens. Morando de favor na casa dos padrinhos, Roseli decidiu então que também precisaria trabalhar, para ajudar nas despesas da casa. Após dias de busca, pintou vaga em uma malharia.
Mesmo empregada, seu desejo de trabalhar na Tupy só aumentava. Um belo dia tomou coragem, preencheu uma ficha com seu nome, endereço, telefone e entregou ao companheiro, que no mesmo instante levou a seu superior na empresa.
“Era bem cedinho quando escutei batidos na porta. Atendi e era um rapaz do RH perguntando se ali morava ‘a moça que queria trabalhar na Tupy’. Me deu uma tremedeira nas pernas. Mulher na Tupy era como ganhar na loteria”, diz. “Hoje tem mulher em todas as áreas, desde a fundição até o departamento mais alto”, completa.
Sem saber muito bem o endereço, perguntando de comércio em comércio, Roseli foi guiada até o local para a entrevista de emprego. Poucos minutos de atraso foram suficientes para aumentar o nervosismo e a ansiedade. Mas, ao fim, deu tudo certo. Após um ano vivendo de sonho, Roseli foi chamada para vestir aquele uniforme azul.
A mesma função
Antes mesmo de entrar para a empresa, uma outra onda já havia tomado Roseli, a do êxodo rural. Nos anos 1970, por falta de mão de obra, indústrias da cidade veiculavam propagandas impressas e por rádio em busca de trabalhadores de outras regiões no país, com foco no Sul.
Uma década se passou e mais da metade da população do município já era composto por moradores de outras terras, especialmente do interior do Paraná. A população de Joinville crescia, assim como seu título de “vanguarda do progresso”.
Roseli e o marido chegaram de São Jorge do Oeste (PR) nos anos 1990, escapando-se do trabalho duro da lavoura. Em 1996, Roseli passou a trabalhar na Tupy, onde há 24 anos atua como operadora de caixa III, na área de macharia – uma das fases do processo produtivo. Um quarto de século que ela desempenha a mesma função, no mesmo horário.
O sonho de Roseli se confunde facilmente com a cultura da cidade, construída sob o estigma dos primeiros imigrantes, que prosperaram a custo de muito trabalho.
De lá para cá, a operária acompanhou as evoluções da indústria de fundição. Na primeira instalação de robôs, o medo da demissão passou a assombrar a linha de produção. Mas tudo não passava de “disse-me-disse” da “rádio peão”. “Era murmuração. Não foi nada daquilo. Em vez disso, abriram portas de emprego”.
Retribuição
Estando dentro da Tupy, Roseli conseguiu a casa própria, criou o casal de filhos, de 22 e 13 anos, e vive um casamento de 28 anos. A mulher vinda do interior, que se via perdida em meio às bicicletas, carros e mar de gente, hoje domina a cidade como a palma da mão.
Inclusive, tenta retribuir a ajuda dos padrinhos colocando sua casa à disposição de parentes que também tentam nova vida na cidade. Moradora do Comasa, viu o comércio crescer ao seu redor, ruas serem asfaltadas e hoje em dia nem sente mais a necessidade de sair de seu bairro.
Exceto para trabalhar. De segunda a sexta-feira e sábados alternados, Roseli prepara o almoço, saca seu uniforme e faz um trajeto de cerca de 40 minutos a pé até a empresa. “Pra cuidar da saúde, orientações médicas”, diz.
Em seus momentos de lazer, coloca música para ouvir, mas em volume baixo, pois já não gosta mais tanto assim de barulho. O que mais tem feito mesmo na quarentena é acompanhar a rede de evangelização pela TV, já que ir à igreja não está dando.
Aos 46 anos de idade, Roseli não parou pra pensar em aposentadoria. Segue no mesmo pico de quando entrou, com apenas 21. A operadora é movida pelo orgulho de fazer parte da tão sonhada onda azul.
“Me sinto lisonjeada de fazer parte deste time Tupy. Saber que através de nossas mãos fazemos o mundo girar”.
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