Moradores fazem barricada contra despejo na zona sul de Joinville
Proprietária acusa antigo locatário de invadir e dominar casas de seu terreno
Proprietária acusa antigo locatário de invadir e dominar casas de seu terreno
Moradores e militantes de movimentos sociais montaram uma barricada na rua Tenente Ayres Zacarias, bairro Boehmerwald, contra uma ação de reintegração de posse que estava prevista para ocorrer nesta manhã de segunda-feira, 24.
No local, os moradores informaram que no domingo, 16, receberam um documento da justiça para desocuparem as casas onde vivem, a pedidos de Aparecida Monteiro de Barros Nunes, proprietária do terreno, no prazo de sete dias.
Aparecida entrou com a ação em agosto de 2019, movida por intermédio da Defensoria Pública do Estado (DPE), contra Ricardo Luiz Rodrigues, 40 anos, por não cumprimento do contrato de aluguel, e outras famílias, por ocuparem irregularmente o terreno. Pelo não cumprimento deste contrato e a ocupação irregular, a moradora pediu reintegração de posse e ganhou a causa em primeira instância, no ano passado.
Os moradores recorreram da decisão do juiz, dizendo que não pagariam mais o aluguel, já que havia a possibilidade de o terreno ser de posse da prefeitura, mas o juiz alegou, em segunda instância que, mesmo sendo da prefeitura, era preciso cumprir o contrato, já que estava assinado. Uma outra ordem de reintegração de posse já não havia sido cumprida em 2020.
Aparecida ainda acusa Rodrigues de ter colocado outras famílias para habitar no terreno sem seu consentimento. A reportagem tentou contato com Rodrigues para tratar do assunto, mas, até o fechamento desta matéria, não havia conseguido.
O Centro de Diretos Humanos (CDH) de Joinville, entrou com um pedido, na sexta-feira, 21, de suspensão de despejo em meio a pandemia da Covid-19. No entanto, em resposta dada nesta segunda-feira, o juiz manteve a decisão, mas afirmou que não iria se opor caso a DPE concordasse em adiar a ação. A Defensoria tem 24 horas para se manifestar.
Ricardo mora no endereço há quatro anos, junto de sua esposa e a filha, de 14 anos. Ele alega que, em 2018, pagou duas parcelas aluguel para Aparecida, no valor de R$800. Três meses após o contrato, segundo ele, ela quis aumentar o valor, o que fez com que ele parasse de pagar as parcelas.
“Se não pagasse, era pra sair. Eu fui procurar meus direitos, pra ver, e na Habitação me explicaram que não era (dela o terreno). A casa era dela, o terreno não”, afirma Rodrigues.
O homem, que trabalha com reciclagem e utilizava o dinheiro dos serviços para pagar a locação, ainda diz que todos do local, cerca de nove famílias, com pelo menos cinco pessoas cada, pagavam aluguel para Aparecida. No documento, assinado por ele, estava previsto um aumento do valor do aluguel após quatro meses de contrato, que era válido por seis meses.
“De mim ela cobrava por semana, dos outros cobrava por mês, porque trabalhavam em empresa”, explica, alegando que Aparecida passou a cobrar valores diferentes para cada casa do espaço.
Rodrigues ainda disse que as famílias receberam outros documentos com ordem de despejo movidas por parte do advogado de Aparecida. Apenas a última teria sido assinada pelo juiz.
Aparecida Monteiro de Barros Nunes, 65 anos, é aposentada e proprietária do terreno. Ela afirma que alugou apenas uma das casas para Ricardo Luiz Rodrigues, no valor de R$ 700 e que, no contrato, assinado por ele, estava previsto o aumento deste valor para R$ 800 após quatro meses.
Segundo ela, Rodrigues teria pago a primeira parcela completa do aluguel em outubro de 2018 e, no mês seguinte, pagou apenas R$360. Após isso, ele teria deixado de cumprir com o contrato.
“Depois disso, ele arrebentou todos os cadeados das outras casas do terreno e colocou outras famílias lá, por conta própria. Tinha uma casa toda mobiliada, com fogão, mesa, cadeira, pia, completa… ele arrebentou tudo lá e colocou uma família lá dentro”, acusa Aparecida.
Ela conta que em seu terreno, de mais de 1.200m², há sete casas de sua posse, que ajudou a construir. Outras duas casas foram construídas posteriormente, mas, segundo ela, essas ficam no terreno de posse da prefeitura.
“Eu quero meu terreno de volta, que eu trabalhei e lutei pra construir. Vou fazer 65 anos, estou doente, mas trabalhei o dia todinho na construção daquelas casas. Aquilo ali era minha renda, pra completar minha aposentadoria, toraram da minha boca. Ele (Rodrigues) me tirou tudo que eu tinha”, argumenta.
Jaqueline Corrêa, 32, é dona de casa, e mora no espaço há cerca de três anos. Ela conta que morava nos fundos do terreno da mãe, no bairro Guanabara, mas precisou deixar o local porque sua casa estava caindo e não tinha condições de fazer uma reforma.
Jaqueline foi diagnosticada com artrose no quadril em 2013 e, desde então, recebe auxílio-doença pelo INSS. Sem poder trabalhar para construir uma nova casa, ela foi à Secretaria de Habitação em busca de um novo lar. Lá, conheceu moradores do terreno no Boehmerwald, e mudou-se desde então para a suposta área de ocupação, “por desespero, porque a casa estava caindo na nossa cabeça”, segundo ela.
“Pra gente, isso aqui era um terreno de invasão de área permanente, o pessoal que veio depois também entrou com esta ideia. A gente só foi descobrir as coisas depois que deram entrada no processo, há uns três anos”, explica Jaqueline.
Um dia após sua mudança, ela conta que Aparecida foi ao local junto de policiais militares, exigir que deixasse a casa. Neste dia, foi registrado um boletim de ocorrência.
“Expliquei pro policial que não me negava a sair, mas não tinha pra onde ir, e o policial disse que não poderia me arrancar com os filhos. Mas ela (Aparecida) queria que a gente saísse. Ela disse ‘não quero negociar, não quero nada, você entrou sem pedir'”, lembra Jaqueline, que afirma que os moradores já tinham feito uma reunião com Aparecida.
A dona de casa ainda diz que Aparecida mandou cortar a água e a energia dos moradores, que se obrigaram a fazer ‘gato’ para utilizar dos recursos. Jaqueline, no momento, não recebe nenhum tipo de recurso e sobrevive com os cinco filhos, de 16 a 4 meses de idade, por meio de doações da igreja. Ela confirma nunca ter pago aluguel para Aparecida.
“Ninguém está se negando a sair, se realmente tiver dono, a gente vai e precisa sair, mas queremos um prazo maior, porque aqui ninguém tem para onde ir. São famílias, com pessoas doentes, crianças… O que a gente quer mesmo é ganhar um pouco de tempo pra sair, se realmente isso aqui foi de direito dela”, apela a moradora.
Priscila Andrade e Silva está no terreno há cerca de dois anos e confirma que ocupou a casa onde vive com os quatro filhos, de 16 a 9 anos. Ela, que sobrevive de bicos que faz como diarista, diz que, quando chegou, havia moradores no local que possuíam contrato com Aparecida.
“Que eu sei tinha mais morador com contrato de aluguel, mas não quiseram pagar mais e deram como invasão”, explica.
Priscila reitera o argumento de Jaqueline, que as famílias vão sair, mas precisam de tempo para encontrar outro local. Anteriormente, ela morava no condomínio Trentino, no mesmo bairro, com a irmã.
“Estamos bem assustados e o apoio do pessoal é importante, estão batendo o pé pra gente ficar. Estão falando que vem máquina, polícia… Os moradores estão todos apavorados de ficar sem teto. Não tem uma madeira pra fazer casa”, afirma.
Com relação ao argumento das famílias que pedem tempo para sair do local, a proprietária do terreno diz que “eles tiveram tempo de sair antes”.
“E outra, se ele tivesse só na casa que eu aluguel pra ele, ele poderia dar uma desculpa, mas ele pegou o terreno inteiro e botou família no terreno, e está enchendo de lixo. Ele não pagou a luz, não pagou a água… Gato dá cadeia”, finaliza.
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