Novo estudo busca cenários sobre canal do Linguado, em São Francisco do Sul
Estudo analisará cinco possíveis cenários possíveis de abertura ou não do canal
A abertura do canal do Linguado, localizado entre São Francisco do Sul e Balneário Barra do Sul, no Norte de Santa Catarina, segue em discussão. Uma câmara técnica, criada por meio do grupo Pró-Babitonga (GPB), iniciou em agosto encaminhamentos para a segunda e mais importante fase dos estudos que podem indicar sobre a abertura ou não do canal.
Em reunião, que ocorreu na Associação de Municípios do Nordeste de Santa Catarina (Amunesc), em Joinville, o GPB aprovou por unanimidade, entre os presentes, a realização dos estudos de modelagem hidrodinâmica do canal do Linguado pela proposta enviada pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
Entenda o que será feito
De acordo com o coordenador da câmara técnica e professor universitário da Universidade da Região de Joinville (Univille), Cláudio Tureck, a modelagem hidrodinâmica será realizada em três etapas. A primeira será a aquisição de dados. A segunda consiste em rodadas de modelagem e a terceira, obras de engenharia.
A partir disso, serão analisados cinco cenários possíveis de abertura do canal do Linguado, que ligava o oceano Atlântico à porção sul da Baía Babitonga e foi fechado totalmente em 1935. As cinco possibilidades que devem ser estudadas são:
- Abertura parcial com largura de 75 metros e com 4 metros de profundidade com ponte no canal sul.
- Abertura parcial com largura de 100 metros e com 4 metros de profundidade com ponte no canal sul.
- Abertura com largura de 200 metros e com 4 metros de profundidade com ponte no canal sul.
- Abertura parcial de 120 metros de largura com 12 tubos de 5 metros de diâmetro e espaçamento de 5 metros entre eles.
- Canal permanecer fechado.
“Nós trabalhamos para buscar informações técnicas que possam mostrar o que pode acontecer. A modelagem pode dizer o que aconteceria na Babitonga agora, no ano que vem ou daqui a 30 anos, pensando no legado que vamos deixar caso também permaneça fechado. Além disso, também poderá dizer o que pode acontecer com a cidade de Barra do Sul”, explica Cláudio.
Para conseguir recursos para o estudo, foi elaborado, com colaboração de diversos pesquisadores, um termo de referência que reúne todas as informações do que é necessário para que as respostas sejam alcançadas. O documento, além de detalhar as fases do estudo, também foi importante para a escolha do orçamento que mais se enquadrasse nas necessidades do órgão, que foi a da Univali.
Segundo o grupo Pró-Babitonga, o repasse de R$ 530 mil, vindos por meio do Ministério Publico Federal (MPF) de Joinville, não foi realizado até o momento e os estudos ainda não iniciaram. Porém, se busca, atualmente, uma forma de viabilizar o repasse para a realização dos estudos, que segundo o grupo, deve ocorrer em breve.
“Nossa expectativa é terminar as questões burocráticas em torno de um mês mais ou menos e, daqui há um ano e meio ter os resultados desse trabalho. Aí eu acho que a partir disso podemos dialogar com os poderes que podem decidir efetivamente o que fazer,” revela Cláudio.
Entretanto, o grupo frisa que, mesmo após a finalização deste estudo, outros podem acontecer futuramente, o que poderia não colocar um ponto final na história sobre a abertura ou não do canal.
Fase anterior
Antes da modelagem hidrodinâmica, a câmara técnica canal do Linguado realizou outro estudo extremamente importante: o de Reconstrução Ambiental. O objetivo foi determinar a concentração de metais presentes nos sedimentos, bem como indicar a época em que os mesmos chegaram no ambiente. Para isso foram coletadas colunas de sedimentos em oito pontos estratégicos da Babitonga em profundidades que variaram de 2,70 a 4,22 metros.
As colunas, quando abertas, demonstram diferentes camadas (chamadas perfis), que quando analisadas permitem que se observe o período em que os conteúdos foram depositados no ambiente. “Esse estudo foi para ter informações sobre contaminação e de datação. Então ele permitiu contar a história de Joinville, de industrialização e ocupação da cidade através dos sedimentos”, conta.
De acordo com a câmara técnica, com base nos resultados obtidos, é possível fazer uma relação direta entre o aumento da concentração dos metais avaliados e o período de início da industrialização de Joinville. “Da mesma forma, fica evidente que estas concentrações deixaram de aumentar a partir da década de 1990, quando a fiscalização e o controle ambiental sobre as atividades produtivas passaram a ser mais eficazes”, avaliam.
O resultado do estudo demostrou que, apesar de ter concentrações superiores às naturalmente existentes na Babitonga, os metais avaliados (cobre, chumbo, cromo, níquel e zinco) e o semimetal arsênio, encontram-se dentro dos limites estabelecidos pela resolução número 454/2012 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), ou seja, abaixo do limite permitido e sem a menor probabilidade de efeitos adversos ao meio ambiente. Já o ferro e o alumínio não possuem limites estabelecidos.
“Concluímos que possui um enriquecimento de metais ao longo dos anos, mas nada que não permitiria uma dragagem, por exemplo”, explica Tureck.
Tanto o estudo de reconstrução ambiental quanto o de modelagem hidrodinâmica fazem parte de estudos complementares realizados por um grupo de pesquisadores engajados na construção de projetos de pesquisa sobre o tema. Os estudos foram definidos como “lacunas do conhecimento”. Desta forma, o grupo tem o intuito de produzir informações técnicas a fim de auxiliar a tomada de decisão pelos órgãos responsáveis, além de manter a população informada.
Atuação do Ministério Público
Um grande aliado na realização dos estudos, o Ministério Público Federal (MPF) de Joinville tem uma importante atuação em respeito ao aterro do canal do Linguado. O órgão atua desde o fim dos anos 90 em questões ambientais na região e, nos últimos dez anos, possui o procurador Tiago Gutierrez como representante sobre o aterro do canal do Linguado.
A representação do MPF, na presença de Gutierrez, se dá em dialogar com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgãos que podem efetivamente decidir sobre abertura ou não do canal.
Recentemente, o Dnit solicitou ao Ibama para aumentar o aterro, visto a duplicação da BR-280. Desta forma, em agosto, o procurador, ao lado de Cláudio, estiveram reunidos com ambos os órgãos. “Na conversa, explicamos que estamos tendo progressos nos estudos e que queremos fazer uma análise do que pode acontecer. Conseguimos, de certa forma, sensibiliza-los”, conta Gutierrez.
O procurador diz que o momento atual (de duplicação) é uma oportunidade de se pensar em uma ponte. Porém, ressalta que deve ser muito bem pensada, já que seria uma ponte ferroviária, e com isso não pode ter uma inclinação tão alta. “Os dados até agora dizem que a abertura é importante. Então eu tenho esperança que os órgãos vão solucionar o caso. Há uma disposição para dialogar, sem que haja um conflito que se arraste.”
Além desta atuação, o MPF de Joinville também participa de forma efetiva em acordos com empresas condenadas por causar danos ambientais na região, o que garante recursos para a realização dos estudos realizados pela câmara técnica do canal do Linguado. Ao todo, para o estudo de reconstrução ambiental, foram destinados R$ 130 mil e para o de modelagem hidrodinâmica o valor deve ser de R$ 530 mil. Ambos os repasses são por ações compensatórias.
Grupo pró-Babitonga e canal do Linguado
O Grupo Pró-Babitonga (GPB) é composto por 30 entidades, que representam os segmentos socioambiental, socioeconômico e público dos municípios do entorno do Ecossistema Babitonga. O GPB é, atualmente, o mais representativo colegiado cujo foco é a busca de soluções para a gestão socioambiental na região Nordeste de Santa Catarina.
Uma das estratégias de ação definida pelo GPB foi a criação de câmaras técnicas com temas específicos e a primeira criada foi a câmara técnica canal do Linguado, que teve o fechamento decretado por Getúlio Vargas, presidente à época.
De acordo com o grupo, desde então vários impactos ambientais foram associados a esta intervenção, como alterações na hidrodinâmica da Baía da Babitonga, que causaram mudanças na velocidade e direção das correntes na região. Também foi observada a perda de profundidade de canais com prejuízos à navegação e, consequentemente, a necessidade de atividades de dragagem.
“O acúmulo de sedimentos promoveu a redução de importantes áreas de reprodução de espécies marinhas e o aumento da competição nestes ambientes, que tiveram reflexos na produtividade pesqueira, entre outros impactos negativos. Embora confirmados os aspectos negativos do fechamento do canal, restam dúvidas sobre os impactos e a viabilidade de uma reabertura. Passados mais
de 80 anos a questão do canal ainda perdura como polêmica. Embora estudos tenham sido realizados, não são suficientes para a tomada de decisão”, diz o grupo em documento que solicita orçamentos para a realização dos estudos.
Por isso, o objetivo principal do grupo Pró-Babitonga é trazer o tema para uma discussão que envolve aspectos históricos, judiciais, políticos e socioeconômicos de forma técnica e participativa.