Paciente espera há dois anos por prótese mamária em Joinville; saiba o que Saúde deve fazer para realizar procedimento

Após três licitações desertas, Secretaria de Saúde vai tentar nova compra de próteses mamárias

Paciente espera há dois anos por prótese mamária em Joinville; saiba o que Saúde deve fazer para realizar procedimento

Após três licitações desertas, Secretaria de Saúde vai tentar nova compra de próteses mamárias

Isabel Lima

Juliana, de 42 anos, que trabalhava como vigilante do Hospital São José, está há dois anos esperando por uma cirurgia de reconstrução da mama em Joinville. No entanto, não há próteses mamárias disponíveis para o procedimento. Essa espera pode estar perto de ter um fim, já que um processo de dispensa de licitação para compra direta de próteses mamárias tramita na Secretaria Municipal de Administração de Joinville. Isso acontece após mais de três anos sem a aquisição dos implantes.


A expectativa da Secretaria de Saúde (SES) é que a compra direta funcione, já que foi adotada como medida emergencial depois das licitações desertas. Ou seja, nenhum fornecedor se interessou em vender para a cidade.

Junto à dispensa de licitação, a secretária de Saúde Tânia Eberhardt explica que outro edital licitatório será aberto. Desta vez, os preços devem passar por atualização. Cem próteses serão solicitadas, volume que a secretária acredita ser inviável para os fornecedores.

“Para nos precaver, nós fizemos um processo que está na Secretaria de Administração de 100 próteses, mas também vamos abrir uma licitação para comprar direta de oito, porque se as 100 derem desertas novamente, a gente entende que com a compra direta das oito, a gente consegue já”, conclui Tânia.

Mais de 60 pacientes aguardam reconstrução mamária

Enquanto não há certezas, mais de 60 pacientes continuam na fila para realizar a reconstrução mamária em Joinville. Segundo Douglas Machado, gerente na Secretaria de Saúde, as últimas cinco próteses da cidade foram utilizadas em outubro de 2020. Desde então, quem tem condições financeiras favoráveis busca a reconstrução em clínicas privadas. Já quem não tem, pode acabar desistindo do direito.

Entretanto, para muitas das pacientes, não é apenas uma questão estética. Garantir o acesso à reconstrução mamária, prevista na lei 9.979/1999, é questão de poder viver e não apenas sobreviver.

“Espero por ela para ver se eu vou conseguir voltar a trabalhar”

Arquivo pessoal

Em 2019, Juliana descobriu um câncer de mama. Ainda no mesmo ano, realizou a retirada da mama esquerda. Ingressou com tratamento quimioterápico e radioterapia que causaram diversas sequelas na mobilidade da vigilante. Uma das consequências dos tratamentos de câncer é o colamento da pele nos ossos, gerando muitas dores aos pacientes.

No caso de Juliana não foi diferente. A vigilante sofre de dores constantes e mal consegue movimentar o braço esquerdo. Além de ser um sinal de um tratamento contra o câncer, a retirada completa da mama deixou a pele dela repuxada. Essa condição limita ainda mais a movimentação.

Entretanto, ainda havia a esperança da reconstrução mamária melhorar a realização das atividades do dia a dia. E, quem sabe, voltar ao trabalho. Entrou na fila em 2021 com autorização médica. Os meses passaram, a vida afastada do trabalho e a rotina em casa deixam a paciente aflita e revoltada. “Hoje tomo dois comprimidos toda noite para dor. Outro a cada seis horas, outro para dormir. Se eu deitar de lado dói as costas”, conta.

Juliana com a família na formatura da filha | Foto: Arquivo pessoal

Segundo o médico Fernando Vecchi Martins, da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a radioterapia pode provocar os efeitos sentidos por Juliana. Mas esses sintomas devem ser estabilizados após, pelo menos, seis meses do tratamento. “A radioterapia é uma terapia a base de radiação e essa radiação ela pode ter defeitos agudos e efeitos crônicos”, diz o mastologista.

Embora cada caso tenha sua particularidade, o quanto antes a reconstrução for realizada, melhor para a paciente.

Juliana chegou a iniciar os procedimentos para a reconstrução mamária, mas teve que interrompê-los pela falta da prótese. A vigilante confessa que precisa da prótese para se vestir de forma mais confortável, sem ser encarada por curiosos indelicados. Juliana sonha em ir à praia de biquini, mas, acima de tudo, voltar a viver. “Para sentir menos dor, eu espero por ela para ver se eu vou conseguir voltar a trabalhar”, completa.

Fila da reconstrução

O problema da falta de próteses é um fenômeno nacional. Em todo o Brasil, o SUS encontra dificuldades para compra dos implantes. Em 2023, cerca de 20 mil mulheres aguardam a reconstrução no país. Já em Santa Catarina, até fevereiro deste ano, 94 mulheres estavam na fila, conforme dados da Saúde do estado.

Cirurgias de reconstrução realizadas em Santa Catarina

Isabel Lima/O Município Joinville

Uma drástica redução na realização de cirurgias de reconstrução mamária ocorreu em 2020, uma queda de 34 procedimentos. O fenômeno pode ser explicado devido ao avanço da pandemia da Covid-19, que concentrou os esforços médicos no combate à doença.

Além disso, Douglas Machado, da Saúde de Joinville, pontua que o principal fornecedor de matéria-prima dos implantes foi brutalmente afetado. A China parou o país e, consequentemente, reduziu as exportações para o Brasil. Isso deixou as empresas fornecedoras com um baixo volume de próteses para comercialização.

Todos os fenômenos contribuíram para o aumento da fila para reconstrução mamária em Santa Catarina.

Veja quantas pacientes estão na fila e o ano de entrada

Isabel Lima/ O Município Joinville

Em Joinville, existem de 60 a 65 mulheres na fila de reconstrução mamária, conforme revelado pela secretária de Saúde. Dessas, Tânia estima que 30% tenham desistido ou já realizado em outra instituição de saúde.  O que corresponde a cerca de 18 mulheres.

Já entre as 45 restantes, 21 delas já tem autorização médica para internação. Tendo as próteses, elas já podem realizar o procedimento.

Por que é tão difícil comprar próteses?

A dificuldade de comprar próteses mamárias é realidade em Joinville desde 2021. No ano, a prefeitura abriu um edital que não teve interessados. A situação se repetiu nos dois anos seguintes, quando editais muito similares foram publicados.

Confira o que foi solicitado em cada edital:

Isabel Lima/O Município Joinville

O último que teve sucesso foi em 2019. Nos anos seguintes, embora a atualização de valores tenha ocorrido, não houve interessados. Conforme Douglas, os dois fornecedores que ele fez contato relataram que o problema é o volume.

“Todas as licitações eram de 100 próteses, mas eles não tinham essas 100 próteses para entregar. Se você não entregar aquilo que assinou, você é passível de processo e ser impedido de participar de outras licitações no país inteiro”, afirma.  “Então eles preferiam vender para escritórios privados, que compram em menor quantidade”, completa Douglas.

Entretanto, segundo a análise do médico da Sociedade Brasileira de Mastologia em Santa Catarina (SBM-SC) Fernando Vecchi Martins, a defasagem da tabela SUS que impede as contratações. “O problema é o valor pago, que não cobre nem o custo. As empresas buscam a negociação, mas dentro de uma realidade financeira cabível”, argumenta.

Em Florianópolis, a SBM realizou uma campanha para compra e doação de próteses mamárias em 2022. A campanha ocorreu devido à demora da aquisição pelo poder público. A instituição beneficiada foi a Maternidade Carmela Dutra, onde 25 cirurgias foram realizadas, e as 40 próteses implantadas. “Algumas pacientes utilizam duas [próteses]”, explica.

No levantamento feito com dois fornecedores comuns de Joinville, a Secretaria de Saúde entendeu que o problema não são os preços. Para Douglas, os fornecedores teriam afirmado que os preços estão dentro dos valores do mercado. “Ele foi taxativo comigo, não é o preço, é a questão do volume que vocês estão pedindo e a falta de matéria-prima”, recorda o gerente. “De R$ 1,8 mil a R$ 2 mil reais, é o preço de mercado que a gente tem visto”, afirmou Douglas.

A promessa dos dois novos editais pela secretaria, um de compra direta para oito implantes e outro de 100 próteses, foi resultado de cobranças feitas pela população e vereador Cassiano Ucker (União Brasil). Para ele, a cidade já deveria ter adotado a modalidade de compra direta há algum tempo. “Repetir edital não é uma postura correta, por isso cobramos uma compra direta”, ele explica.

A expectativa é que os editais sejam publicados no segundo semestre de 2023. “Não tem previsão, eu acredito que as compras direta sejam mais rápidas que as 100. Todos estamos apostando que venha mais rápido possível”, diz Tânia.

Um detalhe da nova licitação é que a Prefeitura de Joinville deixará de pedir próteses anatômicas. A preferência será pelas redondas. Segundo o gerente da Saúde, Douglas Machado, as redondas são mais baratas e mais escolhidas pelas mulheres e médicos.

Prótese redonda (à. esq.) e prótese anatômica (à dir.) | Foto: Reprodução

Mais de 50 fornecedores de materiais médicos da SES de Santa Catarina foram contatados pela reportagem do jornal O Município Joinville. Foram realizadas perguntas com o objetivo de entender os problemas das licitações da cidade. Entretanto, até a publicação desta matéria, nenhuma empresa respondeu aos questionamentos.

Em busca por direitos

No começo deste ano, o vereador Cassiano Ucker convocou pacientes que estavam na fila da reconstrução mamária em Joinville para entrar com uma ação no Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC). Quinze mulheres entraram em contato e enviaram as documentações completas ao vereador.

Junto ao MP-SC, as pacientes buscam o cumprimento das leis que garantem a reconstrução mamária para as mulheres que tiveram a remoção das mamas decorrentes do câncer. Confira as leis em vigor:

  • Lei 9.979/1999: dispõe sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos de mutilação decorrentes de tratamento de câncer.
  • Lei 12.802/2013: dispõe sobre o direito das mulheres em fazer a reconstrução mamária no mesmo procedimento cirúrgico da retirada das mamas, caso seja tecnicamente viável.
  • Lei 13.770/2013: entende que a simetrização da mama contralateral e de reconstrução do complexo aréolo-mamilar integram a cirurgia plástica reconstrutiva.
  • Lei 10.223/2001: dispõe sobre obrigatoriedade dos planos e seguros privados realizarem a cirurgia plástica reparadora de mama nos casos de mutilação decorrente de tratamento de câncer.

Novo recurso financeiro

Em fevereiro de 2023, o Ministério da Saúde publicou a portaria que institui a estratégia de ampliação do acesso aos procedimentos de reconstrução mamária. A medida é voltada para mulheres submetidas à mastectomia ou para aquelas com indicação de reconstrução mamária.

Na prática, mais de R$ 105 milhões em recursos federais serão destinados a hospitais específicos de alta complexidade em oncologia que serão indicados pelas secretarias estaduais e municipais de saúde por meio da Comissão Intergestores Bipartite (CIB).

Conforme Douglas Machado, o Hospital São José está preparando a documentação necessária para solicitar a participação na portaria. Entretanto, ainda não há nenhum movimento oficial por parte de Joinville para utilizar o recurso.

Cancêr de mama em Santa Catarina

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que Santa Catarina apresente 3.860 novos casos de câncer de mama em 2023. O estado é o quarto no ranking de estimativas, ficando atrás de Minas Gerais, com 7.670, Bahia, 4.230, Rio de Janeiro, 10.290 e São Paulo, com estimativa de 20.470 novos casos neste ano.

Embora a lei 12.732/2012 estabeleça que pacientes tem o direito de ter diagnóstico e iniciar o tratamento contra o câncer dentro de 60 dias, a prevenção é a forma mais eficaz de evitar sequelas.

O mastologista Fernando Vecchi Martins da SBM explica que é muito mais eficaz a busca por cuidados e consultas preventivas para diagnósticos precoces, que permitem a realização de cirurgias menos mutiladoras. “A melhor reconstrução de mama é aquela que não precisa ser feita”, conclui.


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