Páscoas cristã e judaica coincidem neste ano; entenda as diferenças e semelhanças
Famílias judias de Joinville e Jaraguá do Sul celebram a libertação do Egito
Famílias judias de Joinville e Jaraguá do Sul celebram a libertação do Egito
A Páscoa é uma tradicional celebração cristã, onde fiéis recordam o sacrifício de Jesus Cristo e sua ressurreição. Mas, originalmente, a comemoração foi iniciada na tradição judaica, que relembra a passagem do anjo da morte durante a décima praga do Egito, que possibilitou a libertação do povo judeu da escravidão.
Henrique Ayzemberg, médico com especialização em ortopedia e traumatologia de Joinville, teve sua formação religiosa de forma mista: de origem judaica pela parte do pai e de origem cristã por parte da mãe. Ele explica que há semelhanças entre as festividades.
“Ambas as festividades levam você à reflexão: à reflexão da escravidão do povo judeu libertado por Moisés e à reflexão para os cristãos da ressurreição do Messias”, diz o médico.
O especialista explica que a Páscoa judaica, também chamada de Pessach, em hebraico, é comemorada sempre na primeira lua do mês nissan, data originária do calendário lunar hebraico, quando, em 1513 a.C o povo hebreu foi liberto do Egito.
Já a Páscoa cristã é antecedida pela quaresma, que começa na Quarta-feira de Cinzas e termina do Domingo de Ramos, e relembra a passagem de Jesus Cristo da morte para a vida.
O argentino Damián Maskin, de 40 anos, vive no Brasil desde 2008. De família judia, seus bisavós, por parte de pai e mãe, antes da Segunda Guerra Mundial, por conta das perseguições que o povo judeu sofria na época, saíram de suas origens na Rússia, Polônia e Tchecoslováquia e foram viver em fazendas na Argentina.
Décadas depois, seus avós saíram do campo e foram viver na cidade de Ceres, província de Santa Fé, origem do restante da família. De acordo com Maskin, a Argentina tem a maior comunidade judaica da América Latina e uma das maiores do mundo fora de Israel.
“Eu sinto o judaísmo no meu sangue, eu nasci com isso. É algo que está na minha raiz”, afirma Maskin.
Há cerca de 3.400 anos os escravos judeus saíram do Egito e chegaram à ‘terra prometida’, Israel. Maskin explica que a Pessach tem como foco a liberdade, o direito de ser livre e ter uma filosofia distinta.
“A liberdade é o tesouro mais precioso que refletimos nesta festividade. Pensamos sobre o que ainda hoje nos torna escravos e o que podemos fazer para ficarmos ainda mais livres.”
No primeiro jantar que antecede as celebrações da Pessach, toda a história de sofrimento e libertação do povo judeu é relembrada, com intuito de que as crianças repassem os acontecimentos para as próximas gerações.
“Na escola, pela manhã, tínhamos aulas com todas as matérias. No período da tarde, apenas matérias em hebraico. Todas as crianças judias conhecem sua história”, afirma.
Diferente da Páscoa cristã, antecedida pela quaresma, na Páscoa judaica as celebrações acontecem em sete dias até a chegada da Pessach. Na primeira noite acontece o Seder, um jantar que tem como objetivo convidar famílias necessitadas para fazer parte do banquete, composto apenas por pão ázimo, denominado Matzá, uma massa fina feita apenas com farinha de trigo e água, sem fermento.
Maskin diz que o Matzá é uma metáfora utilizada para representar a pressa dos judeus para fugir do Egito. Sem muito tempo de fazer uma massa mais encorpada, utilizavam apenas água e trigo. Por isso até hoje, na noite do Seder, não é permitido ter outro tipo de pão em casa.
“O pão ázimo traz significado às coisas simples que temos na vida. Nos ajuda a não ficarmos escravos de coisas que alimentam o nosso ego e nos torna livres”, conta.
No primeiro jantar, o pão Matzá é quebrado e escondido em algum local da casa para que as crianças tentem encontrar. Semelhante à cultura judaica, no cristianismo existe a caça ao ovo, onde as crianças brincam de encontrar ovos de chocolate que são espalhados pela casa. A criança que encontrar é recompensada.
“Na nossa cultura, o ato de quebrar o pão significa que o mundo tem muitos defeitos, mas os que irão consertar isso e fazer do mundo um lugar melhor são as novas gerações”, explica.
Outra singularidade entre as religiões é o dia de folga na semana. No judaísmo, o dia de descanso acontece no sábado do calendário lunar (que vai do pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado) é chamado de Shabat. Assim como no cristianismo, o dia simboliza o sétimo dia após a criação do mundo. Na cultura cristã, o dia de descanso é o domingo.
Damián Maskin mora em Jaraguá do Sul desde 2013. Como Jaraguá e Joinville não possuem sinagoga, local de culto da religião judaica, famílias das duas cidades se reúnem na casa da família Günther, em Joinville, para fazer as celebrações. Maskin diz que participam das celebrações de cinco a sete famílias.
“A comunidade é pequena. O importante é sempre ter pelo menos dez pessoas para fazermos as orações.”
As reuniões acontecem, pelo menos, uma vez por semana na cidade. Neste ano, com medidas de isolamento social por conta da epidemia do coronavírus (Covid-19), na noite do Seder, cada família fez as orações de sua casa, pela internet, com a celebração do rabino Guershon Kwasniewski, de Porto Alegre.
Atípico dos outros anos, na noite de Seder, na família de Maskin, faltaram os avós e tios, que sempre estão presentes na celebração. Mas, para o judeu, a Pessach em meio ao isolamento trouxe uma reflexão a mais sobre a liberdade celebrada pelo seu povo.
“Neste momento de confinamento, a sociedade pôde repensar sobre a liberdade. Acho que esta é a mensagem que fica: a liberdade é um tesouro invalorável para cada pessoa”, finaliza.