Isabel Lima/O Município Joinville

Foi o amor à primeira vista que atraiu Mônica Ávila Michels a Joinville. A paraguaia, de 56 anos, se apaixonou por Adésio Michels, um catarinense dez anos mais velho que ela. Atualmente o casamento já tem mais de 32 anos. Neste processo, o casal cresceu junto, teve dois filhos e hoje aproveita as conquistas da vida na casa construída em Joinville.

A história de Mônica é a terceira a ser contada na série Virei Joinvilense, um especial produzido pelo jornal O Município Joinville em comemoração ao aniversário de 173 anos da cidade, comemorado dia 9 de março. Ao todo, são cinco reportagens e cinco vídeos publicados semanalmente em omunicipiojoinville.com.

Assista ao vídeo e conheça a história de Mônica Ávila Michels:

Mônica conheceu Adésio durante as férias da faculdade, aos 19 anos. Há alguns anos, ela e a família costumavam passar o verão em Joinville e já aproveitavam para visitar o irmão dela, que fazia intercâmbio na Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc). Ele terminou a faculdade e casou com uma brasileira, que trabalhava com Adésio.

A cunhada sentiu que os dois combinavam e propôs que ele fosse conhecer Mônica. Ela chegou em Joinville em janeiro, mas o catarinense só tomou coragem para conhecê-la em fevereiro. “Ele foi me conhecer e a gente acabou se apaixonando”, Mônica recorda.

Mesmo que a cunhada de Mônica tenha descrito a aparência do colega, a jovem paraguaia se surpreendeu. Quando ele apareceu no portão, Mônica viu o homem loiro de olho azul e ficou nervosa. “Nossa que gato’, eu pensei”, conta.

Se um dia Adésio repensou em conhecer a paraguaia, isso já nem passava mais na cabeça. Desde o dia que se encontraram pela primeira vez, Adésio não saiu mais da casa do cunhado. Naquele ano, o casal aproveitou o carnaval juntos, mas sem qualquer certeza sobre o futuro.

Foto: Arquivo pessoal

“Eu pensava ‘ah uma pessoa de outro país, um idioma completamente diferente, poderia ser difícil a gente acabar tendo um relacionamento”‘, conta a paraguaia. As diferenças eram ainda maiores quando ela olhava para a cultura, já que Adésio é descendente de alemão. “Mas quando o amor, quando o cupido bota o coração, não tem fronteira, não tem cor, não tem nada.”


As férias de Mônica chegaram ao fim e ela precisou voltar para Assunção, a mais de mil quilômetros, para fazer o segundo ano de faculdade. A jovem cursava Odontologia na Universidade Nacional de Assunção e sonhava em atuar na área.

“Eu voltei para lá e na semana santa ele já foi para lá, foi em abril”, Mônica lembra. Adésio tinha encontrado o amor da vida dele e não seria uma fronteira que os separaria. Na época, não era aceitável que ele se hospedasse na casa da namorada, então Mônica procurou uma pousada para ele ficar.

“Foi muito emocionante, cheguei lá depois das férias, comentei para minha mãe que conheci e tal, mas eu tava com medo do que meu pai ia achar, um estrangeiro, nada ver”, ela conta da preocupação. Ao fim da visita, Adésio já tinha conquistado os sogros e já marcava o próximo retorno.

Segundo Mônica, o namorado ia a cada um mês e meio visitá-la. Como ela ainda estava na faculdade, não conseguia sair de Assunção durante o ano. “Ainda naquela época não tinha WhatsApp, ligação era uma fortuna, a gente falava uma vez por mês por cinco minutos, porque era um absurdo de caro”, lembra. A melhor opção era esperar de sete a dez dias para trocar cartas com o amado.

Mesmo apaixonada, Mônica informou Adésio que terminaria a faculdade antes de pensar em casamento e ele apoiou a ideia. “Desde o início a gente teve uma conexão muito forte, ele embarcou em todos os meus sonhos, meu jeito de ser, respeitou a diferença cultural”, ela ressalta.

Para aproveitar as férias com o amado, Mônica passava o ano estudando intensamente para não pegar dependência. De dezembro a março ela passava em Joinville ou Itajuba, onde a família comprou uma casa de praia.

A cada carta e viajem, o namoro ia ficando mais sério e o casal começou a pensar no futuro. Ela viria para o Brasil ou ele para o Paraguai?

O último ano da faculdade foi repleto de expectativas para Mônica. Ela e Adésio decidiram casar assim que ela concluísse a graduação. Foram meses de muito nervosismo, mas ela conseguiu concluir o curso em dezembro de 1991. Um mês depois aconteceu o casamento.
“Foi meio tenso porque eu tinha que me programar para passar tudo, para não deixar nenhuma dependência para me formar e planejar todo o casamento também, após um mês”, recorda.

Foto: Arquivo pessoal

O grande dia ficou marcado para 27 de janeiro de 1992. A cerimônia aconteceu em Assunção, com a presença de amigos e familiares de Adésio, que alugaram um ônibus para estarem presentes no momento especial.

“Eu lembro que foram algumas colegas de trabalho dele. Uma delas foi até Miss Joinville, era uma moça linda, eu lembro que no casamento ela começou dançar, rebolar como aqui no Brasil, e lá todo mundo ficou: ‘nossa, quem é ela?’”, comenta. “Foi bem divertido”, conclui.

A festa refletiu a relação multicultural do casal. Além de incorporar a tradição de colocar nomes na borda do vestido, o casamento teve um momento engraçado com um costume paraguaio. Mônica conta que o noivo precisa colocar sete fitas na coxa das mulheres que querem casar.

Isso acontece em um momento específico da festa. O noivo precisa subir a fita até a convidada falar para ele parar. Como Adésio não conhecia, a situação ficou ainda mais engraçada. Foi um momento especial, que simbolizou a forma de levar a vida do casal, respeitando e aderindo à cultura um do outro.

Logo após a festa, Mônica e Adésio se mudaram para Joinville.

Foto: Arquivo pessoal

A principal preocupação de Mônica era conseguir validar o diploma de dentista no Brasil. Antes de optar pela mudança, ela pesquisou e descobriu que precisaria entrar na Universidade Federal de Santa Catarinta (UFSC) e levar todo o cronograma de estudos traduzido para o português por um tradutor oficial. “Eu lembro que eram umas 700 páginas, me custou uma fortuna”, diz.

Todo o processo demorou cerca de oito meses. Enquanto isso, ela foi organizando a sala de atendimento e comprando materiais. O primeiro consultório dela foi na sala de casa. Quando o diploma chegou, ela já começou a atender.

Foto: Arquivo pessoal

“No começo foi bem desafiador”, lembra Mônica. “Eu falava para ele [Adésio] que uma das coisas que mais me preocupava era como fazer uma receita se eu nem sei escrever direito o português.” Além disso, como ela falaria com os pacientes?

A primeira consulta foi com uma colega de trabalho da cunhada de Mônica e Adésio ficou ouvindo por de trás da porta. “Ele falou para eu ficar tranquila que na hora eu ia me virar”, conta a dentista.

“Terminou a consulta, aí ele falou para mim ‘nossa tu não parou de falar um segundo, falou falou e eu acho que ela e entendeu porque ela te respondia certo, fica tranquila, tu vai tirar de letra”, recorda.

Atualmente, Mônica tem um consultório em uma sala do lado de casa e acumula mais de 30 anos de experiência atendendo pacientes de Joinville. Nos últimos anos ela reduziu a carga de trabalho para se dedicar a outros projetos, mas enxerga a trajetória com muita gratidão.

Já em processo de aposentadoria, Mônica começou a costurar roupas de bebês para vender a conhecidos. A ideia era pegar os retalhos da marca da filha, criar novas peças e usar os lucros em projetos sociais. “Me ajudaram tanto, agora preciso retribuir”, ela conta.

Mônica chegou a construir casas e mobiliá-las para famílias sem moradia. Além da verba da Zoraida, nome da marca das roupinhas, ela consegue doações generosas de desconhecidos. Mas o forte são as peças de alta qualidade e exclusivas.

Atualmente ela contratou uma pessoa para ajudar na confecção porque a demanda cresceu. Mônica faz as vendas online, mas também montou uma loja nos fundos de casa, onde recebe principalmente mães em busca de peças para os filhos.

Quando se instalou em Joinville, Mônica passou um período de adaptação complicado. A vizinhança sempre a tratou muito bem, mas o ritmo da cidade era devagar, com poucas atividades. Aos poucos ela foi descobrindo a beleza nisso e Joinville cresceu também. “Hoje tem tudo aqui, não precisa mais ir até Curitiba”.

Quando os filhos nasceram, a família passou a fazer atividades ao ar livre, como trilhas de jeep nos rios e cachoeiras. A última paixão de Mônica é a Baía da Babitonga. “Tem até golfinho ali, é um paraíso”, avalia. Sempre que pode, Mônica e Adésio passeiam de barco pela baía.

Foto: Arquivo pessoal

No começo, Joinville foi um desafio e tanto, mas ela floresceu e aprendeu a desfrutar do que a vida tinha dado a ela.

Com os filhos fora de casa e um neto chegando, Mônica avalia a trajetória que teve com muita gratidão. Para ela, a memória mais forte que fez em Joinville foi o nascimento dos filhos. “Aquela coisa de ser mãe num país que não era meu, meu filho já seria outra nacionalidade que não era minha”, conta.

Foto: Arquivo pessoal

As incertezas e aflições de uma mãe estrangeira logo passaram, os filhos aprenderam a falar espanhol e a ligação entre a família paraguaia e brasileira se fortaleceu. Adésio e Mônica formaram os filhos, viajaram pelo mundo e cresceram como pessoas.

“Que a gente saiba florir onde a vida nos plantar”, repete a paraguaia. Essa frase está estampada na entrada da casa dela e serve como um farol guia para ela. Mônica se construiu e reconstruiu com a possibilidade de mudanças na cabeça.

Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Por isso, ela vê o futuro com bastante tranquilidade pois sabe que ela poderá florescer onde a vida colocar ela. Seja no Paraguai, Brasil ou outro canto do mundo, ela está pronta para encarar.

Foto: Arquivo pessoal