Imagem ilustrativa. Foto: Caleb Woods/Unsplash

Por Sabrina Quariniri
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Fruto de uma gravidez tranquila de nove meses, Matheus Lopes da Silva nasceu em março de 2009. Ele é o segundo filho da joinvilense Maria Cícera de Amorim da Silva, 41 anos. A partir dos três meses ela passou a se preocupar com os sinais que ele apresentava. Mas foi uma longa caminhada até chegar ao diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

“Ele era um bebê que chorava muito, gritava, como se estivesse com dor. Vivíamos no hospital, fazendo exames e ninguém descobria o que ele tinha. Ele foi crescendo e percebemos que ele não desenvolvia como as outras crianças. Não atendia aos chamados, ficava o tempo todo em um canto na parede e se isolava. Eu já tinha outro filho, sabia esse modo de agir não era normal”, diz Maria.

Matheus não mamava, não balbuciava e também não aceitava outros alimentos. A mãe conta que o bebê não engatinhava e começou a andar apenas aos cinco anos, na ponta dos pés. Os gritos estavam cada vez mais frequentes e, em algumas ocasiões, o menino respondia a determinadas situações com agressividade.

O acompanhamento médico da criança, que possui plano de saúde, permaneceu por três anos sem diagnóstico. O desespero dos pais por uma resposta só aumentava. Até que, próximo de completar quatro anos, o menino foi encaminhado a um neurologista, que o examinou e deu a tão esperada e até então desconhecida resposta: “teu filho é autista”.

“Ele não falava uma palavra. Quando o médico falou em autismo, eu nem sabia o que era, para ser sincera. Era uma criança que não se alimentava, não falava nada, só andava na ponta dos pés e gritava. Era desesperador”, desabafa a mãe.

Acompanhamento de especialistas

Desde os três anos, para incentivar a socialização, já que o transtorno autista dificulta a comunicação e a interação com pessoas, Matheus frequenta a escola. A diretora do Centro Educacional Infantil (CEI) da época, conseguiu uma bolsa 100% integral para que o menino também frequentasse a Associação de Amigos Autistas (AMA) de Joinville.

Neste período, além de ter acompanhamento de neurologista e psicólogo, Matheus também passou a frequentar um fonoaudiólogo. Maria explica que, para agilizar o processo, ele tinha consultas com especialistas da AMA e do plano de saúde.

“Ele começou a falar com quase sete anos, daí a AMA encaminhou pro Naipe (Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial), e desde então estamos lá. Ele tem toda assistência, hoje é muito bem assistido. Tem neurologista, pediatra e nutricionista. Mas até hoje ele não aprendeu a mastigação. Vive de sopa, leite e Danone”, relata a mãe do jovem, que atualmente tem 12 anos.

Marina Floriano da Silva é neuropediatra e explica que há casos de pacientes em que as dificuldades não são tão evidentes nos principais aspectos a serem observados em pessoas com transtorno autista.

A especialista usa como exemplo crianças que conseguem estabelecer diálogo, mas possuem dificuldades para iniciar o processo de comunicação e socialização, que podem ser encarados, inicialmente, como timidez ou introspecção.

“Também podem apresentar agitação e agressividade, os quais prejudicam na socialização com os pares e podem ser indícios de outros transtornos. Os pais devem observar se ocorre de forma recorrente em todos os ambientes que a criança frequenta, e, assim, consultem com especialista para diagnóstico diferencial, pois cada caso deve ser avaliado de forma individualizada”, alerta a neuropediatra.

Importância do diagnóstico precoce

Marina diz que, a partir do autismo, os pacientes podem desenvolver comorbidades, como transtorno de ansiedade, transtorno opositor desafiante, entre outros, que, se não tratados, agravam o quadro, trazendo a necessidade de tratamento farmacológico e psicológico.

Mas tão importante quanto o diagnóstico, de acordo com a neuropediatra, é a identificação dos sinais que podem ser característicos do TEA. Ela explica que os sinais do autismo podem exigir um tempo maior para a conclusão diagnóstica.

“Existem diagnósticos diferenciais para serem considerados durante o processo de avaliação, como por exemplo, deficiência intelectual, déficit de atenção e hiperatividade, transtornos de linguagem, transtornos motores, transtorno opositor desafiante. Desta forma, há casos em que o diagnóstico acontece de forma tardia”, explica.

Diante dos sintomas, independentemente da idade, a criança deve ser encaminhada para avaliação com neurologista infantil com objetivo de iniciar o processo de investigação e orientação quanto ao manejo do transtorno.

“Podem ser necessárias várias consultas para alcançar um diagnóstico definitivo, porém, independentemente deste fato, são indicadas as terapias multidisciplinares para o início do tratamento de intervenção precoce, com vistas a obter uma adequada qualidade de vida da criança, com melhora na capacidade de socialização, comunicação e comportamentos”, informa.

Falta de contato visual com os pais durante o aleitamento materno, ausência de balbucio ou gestos sociais quando solicitados (piscar, acenar tchau, bater palmas), pouco interesse pelo colo dos pais ou pelo contato com outras crianças, maior interesse por objetos específicos ou partes deles, dificuldades para manter-se em locais com muitas pessoas e falta de intenção comunicativa são indícios do espectro autista em bebês e crianças.

Marina diz que, a partir do momento em que são inseridas no ambiente escolar, as crianças precisam ser observadas, juntamente com os professores, com relação ao comportamento e a socialização, assim como a capacidade de comunicar-se e se fazem movimentos repetitivos.

“Outros aspectos que podem existir, mas não fazem parte dos critérios principais, são seletividade alimentar, dificuldade para dormir e hipersensibilidade a barulhos”, conclui Marina.

Busca por independência

Existem, conforme o DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), três classificações de níveis de autismo para definir a gravidade do quadro e o suporte necessário na vida do paciente: nível 1 (leve), nível 2 (moderado) e nível 3 (severo).

De acordo com a neuropediatra, são considerados a capacidade de comunicação social e a presença de comportamentos restritos e repetitivos para estabelecer esta gravidade.

“Sendo assim, quanto maior a dificuldade nas habilidades de comunicação social, intensidade dos comportamentos restritos e repetitivos, sofrimento para mudar o foco ou as ações, mais avançado pode ser o nível e, consequentemente, maior o suporte e o apoio necessário”, explica.

O tratamento do TEA é baseado na intervenção, com terapias multidisciplinares e de forma precoce, sempre que possível. Em determinadas situações, em que a criança apresenta sintomas que afetam de forma significativa o comportamento, como agitação, agressividade e ansiedade, pode ser instituído o tratamento com medicamentos.

Maria Cícera, mãe de Matheus, diz que o filho possui o grau severo de TEA. Ela conta que, atualmente, o jovem está no sétimo ano da escola e, apesar de não alfabetizado, tem familiaridade com o alfabeto e os números. Além disso, ao contrário de anos atrás, já comunica-se melhor.

“Hoje em dia fala de tudo. É um papagaio, graças a Deus.  Ele fez tomografia, e o cérebro dele é perfeito, não tem nada de lesão. Ele está com 12 anos, mas é uma criança. O laudo do neurologista é de que ele será dependente para o resto da vida”, conta a mãe.

Esperança

Durante a pandemia, por conta das medidas de restrição de combate à Covid-19, Maria não tem saído de casa com o filho e isso tem o deixado mais nervoso. Ela conta que, por conta do isolamento, Matheus apresentou episódios de crise.

Mas, apesar do diagnóstico médico, Maria diz que a rotina com o filho é de constantes desafios e aprendizados. A esperança dela é de que o filho consiga, um dia, ser totalmente independente. Alguns passos já foram dados nesta larga caminhada.

“Foram anos de muitas lágrimas, não vou mentir, mas cada coisinha que ele aprendeu é uma alegria”

Com pequenas orientações da mãe, Matheus consegue tomar banho e se vestir, por exemplo. E com a ajuda de Felipe, irmão mais novo, de cinco anos, o jovem tem interagido cada vez mais.

“Tem dias que está bem agitado, irritado. Este tempo em casa está sendo bem complicado. Foram anos de muitas lágrimas, não vou mentir, mas cada coisinha que ele aprendeu é uma alegria. Hoje eu conheço ele só no olhar, se ele está bem, se quer ficar mais quietinho no canto dele, deitado. É um processo a cada dia, mas ele é muito inteligente e tem potencial”, reconhece a mãe.

“Mas o Matheus é a minha vida, hoje eu vivo pra ele. Matheus veio para me ensinar a ser uma pessoa melhor. É um anjo que Deus colocou nas minhas mãos, para cuidar, para ensinar. Creio que aos 18 ele estará totalmente independente”, finaliza Maria, esperançosa.


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