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Profissionais do Carnaval de Joinville contabilizam prejuízo com pandemia

Cancelamento da festa e de outros eventos afetam o bolso de quem costuma ter renda extra no período

Profissionais do Carnaval de Joinville contabilizam prejuízo com pandemia

Cancelamento da festa e de outros eventos afetam o bolso de quem costuma ter renda extra no período

A sala fechada aos fundos da sede da escola Príncipes do Samba, de Joinville, já entrega como será o Carnaval deste ano: fora do tom. Com instrumentos, fantasias e adereços encaixotados, o sentimento é de tristeza não só para os foliões que brincam a festa, mas também para os que sobrevivem dela.

Com o cancelamento do tradicional evento por causa da pandemia da Covid-19, além do silêncio das ruas vazias, os carnavalescos terão de lidar também com a falta de renda gerada neste período.

Por conta das medidas de restrição, a agremiação não participou de nenhum evento durante o ano passado e início desta ano, portanto, ninguém faturou.

“A renda vinha de shows particulares com os intérpretes e a bateria, isso antes do Carnaval. Mas também fazíamos eventos durante e pós a festa, como casamentos e inaugurações”, descreve Sandro Sestrem, 51 anos, que integra a escola desde a adolescência.

Sandro Sestrem/Arquivo pessoal

Sem lucrar com suas composições, entre setembro e fevereiro, Sandro estima um dano de R$ 5 mil. Além dele, cerca de 80 pessoas estão diretamente envolvidas na escola, que também ficaram sem renda, afirma.

Mesmo sendo a única escola de samba com sede própria, na Sociedade Kênia Club, o intérprete explica que a Príncipes realiza estes eventos justamente para conseguir recursos e pagar despesas anuais com a alimentação dos integrantes, luz, água, e manutenção dos instrumentos.

“O carnaval envolve muita gente, desde o pessoal da estética e som até vendedor ambulante que vendia lanches nos ensaios da escola. Sem contar quem trabalha durante o desfile. Isso (a pandemia) fez com que toda a engrenagem parasse”, expressa.

Menos demanda

Monica Roberta de Oliveira Costa, 41 anos, é costureira e trabalha em seu próprio ateliê há 20 anos. Em meio a pandemia e sem pedidos para o Carnaval de 2021, precisou trabalhar fora para complementar a renda. Mas, por falta de demanda, acabou demitida.

“O período de janeiro é onde a demanda de serviços gerais fica mais escassa porque os clientes estão na praia, de férias, e o que acabava suprindo isso era o Carnaval”, explica.

No período da festa — sua principal fonte de renda —, ela pega inúmeros pedidos da maioria das escolas de samba de Joinville, além de trabalhos particulares, fazendo fantasia para passistas e destaques de bateria, por exemplo.

Monica e Inês/Arquivo pessoal

Mesmo trabalhando sozinha, na época de Carnaval, Monica precisa terceirizar alguns serviços, já que a procura por seu ateliê aumenta. Além disso, paga aluguel de seu espaço de trabalho, “que não é nada barato”, diz. A costureira estima que deixou de lucrar aproximadamente R$ 7 mil.

“Desde que me entendo por gente trabalho com Carnaval. Agora, na pandemia, as pessoas não podem ter lazer, e eu dependo do lazer das pessoas. Eu não tinha um planejamento pra janeiro, foi bem suadinho”, relata.

Carnaval já foi cancelado outras vezes

Edson Sestrem, presidente da Príncipes do Samba, lembra que os desfiles de Carnaval voltaram a ocupar as ruas de Joinville há pouco tempo, precisamente em 2016, por apoio do governo da época.

Ele lembra que os conflitos que impediram a realização da festa iniciaram em 1988, quando o então prefeito Wittich Freitag não apoiou a realização do evento. No ano seguinte, no primeiro ano de gestão de Luiz Gomes, o Carnaval de rua não foi realizado pela falta de orçamento, que era decidido um ano antes.

Os desfiles só voltaram às ruas em 1990 e permaneceram até 1992. Após esta data, foliões e carnavalescos ficaram 13 anos sem pular a festa na cidade.

“Com a reeleição de Wittich Freitag, os desfiles de rua foram novamente cancelados, em 1993. Nesse período, houve um grande enfraquecimento do nosso Carnaval e o consequente fortalecimento do carnaval de São Francisco do Sul”, relembra.

Inês Gonçalves, 52 anos, presidente da Grêmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Unidos pela Diversidade, sustenta que sempre foi uma luta realizar a festa em Joinville.

Inês Gonçalves/Arquivo pessoal

Ela conta que o último desfile que ocorreu com suporte financeiro do governo municipal aconteceu há três anos. Neste período, as escolas podiam contar com recursos do Simdec.

“Nós custeávamos a fabricação e construção dos enredos por meio do Simdec. Mas depois teve a retirada do carnaval como categoria, onde foi colocado como cultura popular. Portanto, disputávamos o projeto junto com o Festival de Dança, por exemplo.”

Busca por recursos

Gabriel de Paula, 26, diretor administrativo da Liga das Escolas de Samba de Joinville (Liesj), explica que, até 2017, os editais eram de prêmio, mas após a reforma administrativa da gestão MDB, o edital deixou de ser feito pela área de Cultura e foi para a Secretaria de Administração. Em seu entendimento, este trâmite passou a ser mais uma licitação do que necessariamente uma forma de fomento à cultura.

Além disso, sem as subdivisões, eventos de pequeno, médio e grande porte passaram a concorrer juntos pela conquista do edital. Atualmente, há quatro escolas de samba da cidade filiadas à Liesj.

“Ou seja, o mérito cultural nesse modelo é pouco avaliado, porque você precisa atingir ‘x’ pontuação, conforme a entrega de documentos comprovatórios, como formação”, explica.

Com cerca de 200 pessoas compondo a escola de forma voluntária, em 2020 a Diversidade também deixou de realizar eventos para arrecadar fundos e manter os gastos com a escola.

Príncipes do Samba/Divulgação

Para Inês, a vinda de pandemia e a falta de recursos se somam à mazela do preconceito que precisam lidar em época de Carnaval.

“Esta é uma época em que temos que ficar respondendo absurdos. Temos que lutar contra a discriminação. Dizem que o evento de Carnaval tira dinheiro do posto de saúde, da segurança, do remédio. A gente precisa ler comentários em que ficamos horrorizados com a falta de conhecimento e ódio das pessoas pelo evento. A mesma estrutura pro Carnaval é dada pra Festa das Flores ou qualquer evento cultural”, defende.

Ela acredita que o preconceito é reflexo da cultura e lembra que a história do Carnaval tem a ver com desigualdade. “As pessoas começaram a ir pra rua pular o Carnaval porque eram impedidas de participar dos bailes de máscaras em salões luxuosos. O trabalhador não tinha acesso a esse glamour”, conclui.

Expectativa para 2022

Apesar de entender que não há como realizar um evento com a estrutura do Carnaval em meio a uma pandemia, Edson Sestrem afirma que a não realização da festa não impacta somente o financeiro, mas também a cultura da cidade.

“Abre-se um abismo, uma lacuna de tempo sem que a gente ensaie, treine, consiga agregar mais pessoas pra dar continuidade. Digamos que é uma geração que se perde de jovens que poderíamos estar inserindo nesta atividade cultural”, lamenta.

Para a costureira Monica, que cogitou sair de Joinville para buscar trabalho e tirar o sustento, a expectativa é de que o prefeito Adriano Silva considere a importância do evento.

“Gostaria que ele ponderasse a este respeito, eu tenho essa esperança. Se organizar, mais trabalho teremos e, consequentemente, mais turistas na cidade. Todos saímos ganhando. Não adianta pensar que as pessoas não gostam de Carnaval”, encerra.


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