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“Que sejam penalizados como ladrões”, diz moradora de Joinville vítima da fraude no INSS

Fraude levou governo federal a interromper repasses a todas as associações de aposentados do país

Aposentados e pensionistas de Joinville foram vítimas de descontos não autorizados em seus benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vinculados a associações que eles dizem desconhecer. A fraude, que é investigada pela Polícia Federal em diferentes estados, gerou prejuízos financeiros e emocionais a beneficiários que, em alguns casos, demoraram anos para perceber os valores subtraídos.

A pensionista Maria Evaldina, de 75 anos, de Garuva, começou a receber o benefício do INSS em maio de 2023. Meses depois, em agosto, percebeu que havia um desconto inesperado em seu pagamento. “No início do mês, quando fui receber o benefício, percebi que tinha um desconto”, contou.

Durante cerca de seis meses consecutivos, ela teve aproximadamente R$ 300 descontados mensalmente, embora em um dos extratos tenha identificado o valor de R$ 396 como “consignação débito com INSS”. Ela afirma que não contratou nenhum empréstimo e que não autorizou nem assinou qualquer documento que justificasse os descontos.

Já a aposentada Marilene*, de 68 anos, de Joinville, só percebeu que estava sendo vítima de descontos indevidos em seu benefício após a fraude no INSS começar a ser noticiada pela imprensa. “Jamais imaginei que o INSS fosse uma instituição não confiável, tanto que nunca me preocupei em conferir. Fui fazer isso com a veiculação na mídia e, pasmem, estava lá com esse desconto”, afirma.

Ao consultar o extrato no aplicativo Meu INSS, Marilene se deparou com cobranças mensais que, segundo ela, jamais autorizou. De acordo com o histórico disponível no sistema, os descontos ocorrem há três anos, no valor aproximado de R$ 30 por mês.

Plataforma Meu INSS deve ser utilizado para consultar possíveis descontos irregulares | Foto: Wendel Rudolfo/O Município

A cobrança aparece vinculada à entidade Abenprev, segundo ela. Marilene afirma que desconhece totalmente essa associação. “Com certeza não assinei nada, tampouco autorizei”, relata.

De acordo com o Jusbrasil, a contribuição Abenprev, vista em extratos do INSS que demonstram desconto sem autorização na aposentadoria, refere-se à uma empresa fundada em 24/01/2018, localizada na cidade de Brasília, com o CNPJ 29.992.407/0001-24.

Reações e providências

“Achei estranho esse desconto, pois não tinha feito empréstimo ou autorizado algum desconto”, disse Maria Evaldina. Diante da situação, ela procurou o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do município, o banco, e em seguida agendou um atendimento no INSS. Como a agenda em Joinville estava com datas muito distantes, foi atendida na unidade de Jaraguá do Sul. “Nos deram alguns extratos, mas nenhuma explicação conclusiva”, afirma.

Segundo ela, os atendentes informaram que os descontos estavam sendo realizados pelo INSS em função de um benefício anterior que ela recebia, o Benefício de Prestação Continuada (BPC). “Desde essa visita, não recebi mais nenhum retorno”, comenta. Ela também não realizou contestação formal até o momento.

“Tive que pedir ajuda”: impacto no dia a dia

A pensionista conta que o dinheiro desviado fez muita falta. Ela ainda não teve os valores devolvidos e relata que os descontos impactaram a sua rotina. “Foi acumulando algumas contas mensais e precisei de ajuda dos meus filhos até para comprar um remédio que não consigo pelo SUS”, lamenta.

Ela conta que se sente injustiçada e prejudicada. “É um dever do Estado e um direito das pessoas que muito contribuíram. Me senti prejudicada porque tive que pedir ajuda dos meus filhos”, desabafa.

Já a aposentada Marilene fez a contestação junto com o marido, que também foi vítima dos descontos indevidos. Eles realizaram a contestação pelo aplicativo do INSS, mas ainda não receberam os valores de volta. “Não contestei antes até porque é meio complicado pegar todos os comprovantes de pagamento”, conta.

Ela comenta que, por ser um desconto mensal relativamente baixo, o impacto imediato não foi sentido, mas, ao considerar o total, o prejuízo se torna significativo. “Só deu para avaliar o tamanho do roubo e a decepção por subestimarem os idosos. Lamento àqueles que têm dificuldade de acessar o aplicativo, posso garantir que não é tão simples assim”, desabafa.

Segundo Marilene, o desconto aparece de forma clara no demonstrativo de pagamentos, e a própria plataforma do INSS indicava que não houve autorização da parte dela. Mesmo assim, a experiência trouxe frustração. “O sentimento é de indignação, decepção”, resume ela, ao lembrar da reação que teve ao descobrir o problema.

Para elas, os responsáveis pela fraude devem ser responsabilizados criminalmente. “Que sejam punidos e que devolvam esses valores ao INSS, aos cofres públicos”, comenta a pensionista Maria Evaldina. Como alerta a outros beneficiários, ela aconselha “que questionem seus direitos quando perceberem algum desconto ou alguma irregularidade nos seus vencimentos”.

“Que sejam penalizados como ladrões, embora saibamos que vai acabar em pizza”, critica Marilene. Ela ainda alerta outros aposentados: “Pela dificuldade em acessar o comprovante de pagamento, é complicado pedir para termos mais controle. Eu que até tenho alguma familiaridade com o aplicativo e deixei passar batido”, conclui.

Como contestar o desconto?

Segundo o escritório de advocacia Virmond & Donel – Advogados Associados, para verificar se houve desconto sindical no benefício previdenciário, a pessoa precisa acessar o site ou aplicativo Meu INSS. Dentro da plataforma, deve ir até a área de “Serviços” e selecionar a opção “Consultar descontos de entidades associativas”.

Ali, será exibida uma lista com os sindicatos que realizaram descontos, e será necessário informar se a pessoa autorizou ou não esses descontos. Depois de feita essa contestação, a associação ou sindicato tem um prazo de até 15 dias para responder.

Governo suspende repasses a todas as associações de aposentados

Desde abril de 2025, a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Joinville (AAPJ) deixou de receber os repasses do INSS. A suspensão aconteceu após a descoberta de fraudes em algumas entidades, o que levou o governo federal a interromper os pagamentos a todas as associações do país.

A descoberta de fraudes em algumas entidades levou o governo federal a interromper os pagamentos a todas as associações de aposentados do país. Com isso, desde abril de 2025, a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Joinville (AAPJ) deixou de receber os repasses do INSS.

AAPJ fica na rua Jaraguá, no bairro América | Foto: AAPJ/Divulgação

Com a interrupção dos repasses, a AAPJ precisou se adaptar. “Adequamos a uma nova forma de cobrança, com pagamento direto na entidade, e suspendemos acordos de parceria provisoriamente”, explica Luiz Dambrós, presidente da associação.

A queda na arrecadação teve impacto direto no número de associados e na oferta de serviços. “De 900 associados, hoje contamos com 130 sócios. Tivemos que suspender a coparticipação em consultas que a entidade realizava para consultas médicas dos associados”, afirma Dambrós.

Apesar das dificuldades, a entidade conseguiu manter parte de suas atividades por meio de outras fontes de receita. “Realizamos eventos como show de prêmios, tarde dançante aberta ao público e passeios para os associados”, detalha. A AAPJ garante que a associação não corre risco de fechar caso o repasse não seja restabelecido.

Para Luiz, a decisão do governo de suspender os repasses indiscriminadamente prejudica instituições sérias. “Foi uma decisão injusta para entidades como a nossa, que é séria e transparente”, critica o presidente. Até o momento, a AAPJ não adotou medidas jurídicas ou administrativas para reverter a suspensão.

A associação reforça que sempre seguiu os procedimentos exigidos para comprovar o vínculo legítimo dos associados. “Através da nossa representante a nível nacional, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), que possuía parceria com o INSS por meio de um acordo de cooperação técnica, eram coletadas autorizações de desconto com assinatura, presencialmente, pelo associado na entidade”, explica.

Orientação jurídica aos aposentados sobre descontos indevidos

Com o aumento de denúncias de descontos indevidos, a AAPJ tem orientado aposentados e pensionistas sobre como identificar possíveis descontos indevidos por meio de assessoria jurídica na entidade.

A Associação dos Aposentados e Pensionistas de Joinville funciona na rua Jaraguá, 725, no bairro América, com atendimento ao público a partir das 13h30. A entidade oferece aos associados atividades recreativas e de socialização às segundas, quartas e sextas-feiras, das 13h30 às 17h30, com jogos de dominó, baralho, general, sinuca, bocha boll, bocha e pingue-pongue.

AAPJ/Divulgação
AAPJ/Divulgação

Além disso, mantém parcerias com clínicas médicas e odontológicas e disponibiliza assessoria jurídica. “Queremos que conheçam nossos benefícios. Buscamos proporcionar qualidade de vida, bem-estar, informação aos associados e, principalmente, a socialização”, finaliza o presidente da AAPJ.

Decisão do STF: acordo para ressarcir vítimas de fraudes no INSS

No dia 3 de julho, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou uma proposta de acordo interinstitucional de conciliação apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) para ressarcir as vítimas dos descontos indevidos no pagamento de benefícios do INSS. A medida também busca pôr fim a processos coletivos que pedem indenização por danos causados pelo esquema.

Pelo pacto, o INSS não pagará indenização por danos morais às pessoas que aceitarem os termos do acordo. Segundo a AGU, o calendário prevê que o primeiro grupo de beneficiários, cerca de 1,5 milhão de pessoas, receba os valores ressarcidos em conta a partir de 24 de julho.

A proposta é válida apenas para quem teve descontos indevidos entre março de 2020 e março de 2025. Quem aceitar os termos deverá abrir mão de qualquer ação judicial em andamento relacionada ao caso, e também renunciar ao direito que reivindicava com o processo.

Além da AGU e do INSS, assinam o acordo o Ministério da Previdência Social, a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).

De acordo com a AGU, inicialmente, a União vai arcar com os custos do ressarcimento nos casos em que as entidades associativas não responderam à contestação dos descontos feita pelos segurados por meio dos canais oficiais do INSS.

Até o momento, o Instituto recebeu um total de 3,6 milhões de contestações. Quase 60% delas, o que corresponde a cerca de 2,16 milhões de casos, ficaram sem resposta das entidades associativas. Esse universo representa o número total de segurados que já poderá aderir ao acordo para ser ressarcido administrativamente.

Ainda segundo a AGU, outras 828 mil contestações receberam resposta das entidades, com a apresentação ao INSS de documentação para a comprovação da autorização dos descontos. Esses casos ainda estão sob análise e não serão incluídos de imediato no cronograma de ressarcimento administrativo.

*Marilene preferiu não se identificar com o nome completo


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