Saiba o que foi discutido na audiência pública sobre pessoas em situação de rua em Joinville
Houve debate, confronto de ideias e discussões acaloradas na Câmara de Vereadores
Houve debate, confronto de ideias e discussões acaloradas na Câmara de Vereadores
Na noite desta quinta-feira, 27, ocorreu a audiência pública para a discussão de questões relacionadas à população em situação de rua em Joinville. A reunião, que teve o objetivo de debater desafios, propor soluções e compartilhar opiniões sobre o tema, aconteceu no plenário da Câmara de Vereadores de Joinville. As pessoas tiveram o tempo de 3 minutos para se manifestar.
A munícipe Ana Bittencourt foi a primeira a se manifestar, comentando que várias mulheres já enfrentaram situações de violência e perigo envolvendo pessoas em situação de rua na cidade. Ela destaca que, apesar de ser uma questão delicada, pois essas pessoas necessitam de ajuda e tratamento, é necessário que alguma medida seja tomada para evitar essas situações.
Otanir Mattiola, do Conselho de Segurança Alimentar, critica a abordagem atual das políticas públicas voltadas para a população em situação de rua. “Precisamos trazer para a discussão em nossa cidade o porquê de as pessoas chegarem a esse ponto. Se não fizermos isso, estaremos apenas enxugando gelo”, comenta.
O vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia, Ematuir Teles de Sousa, salienta que, embora diversas propostas e projetos de lei sobre as pessoas em situação de rua sejam apresentados como formas de auxílio, acabam ignorando o protagonismo dessa população.
“Cadê o movimento da população em situação de rua neste plenário que versa sobre essas pessoas? Elas deveriam estar aqui argumentando também, mas não estão”, questiona Ematuir. Segundo ele, existe um movimento social organizado por essa população e que seus representantes deveriam ser convocados para participar das decisões.
O vereador Pastor Ascendino Batista (PSD) afirmou que, durante as ações da Comissão Especial, foi constatado que a maioria das pessoas em situação de rua não deseja deixar essa condição. “Há uma grande resistência, eles querem permanecer onde estão, negam ajuda”, destaca. Para ele, um dos fatores é que muitos recebem o benefício do Bolsa Família, que acaba sendo utilizado para sustentar vícios, o que contribui para a permanência nas ruas, segundo o vereador.
Ascendino também critica a distribuição gratuita de alimentos para pessoas em situação de rua, argumentando que a prática, apesar de bem-intencionada, acaba incentivando a permanência dessas pessoas nas ruas.
Mattiola critica o ataque às políticas públicas de apoio a essa população, como o restaurante popular, afirmando que isso contribui para o aumento da população em situação de rua. Ele defende que é necessário implementar mais políticas públicas para evitar que essas pessoas cheguem a essa condição.
De 2016 a 2023, o número de pessoas em situação de rua em Santa Catarina aumentou mais de quatro vezes, segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e constam em relatório divulgado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE). “Em contrapartida, nesse período, as políticas públicas voltadas para essa população sofreram um esvaziamento”, diz Mattiola.
Além disso, ele se posiciona contra a ideia de transferir pessoas de uma cidade para outra contra a vontade delas, uma questão discutida em audiências públicas, tanto em Joinville quanto na Assembleia Legislativa do Estado. “Levar a pessoa de uma cidade para outra, contra a vontade dela, como a gente viu em algumas cidades aqui em Santa Catarina, teria que ser considerado crime inafiançável e tráfico de pessoas”, finaliza.
Ematuir Teles acredita que as narrativas sobre ajuda precisam ser questionadas, pois ainda refletem racionalidades morais predominantes na sociedade. “Esses discursos ignoram as problemáticas de ordem social, tal como a desigualdade social, o neoliberalismo, a pobreza, a miséria, as opressões higienistas e racistas”, complementa.
O vereador Neto Petters (Novo) destaca que, durante as ações da comissão em abordagens a pessoas em situação de rua, foi possível observar que cada indivíduo tem uma história e desafios distintos. “Queremos que essas pessoas resgatem o vínculo com a família, com o emprego e que tenham a dignidade de sair da rua”, destaca. Ele reforça que o objetivo da audiência pública é ouvir diferentes perspectivas, analisar as políticas atuais e buscar soluções para atender os diferentes perfis da população em situação de rua.
O soldado Piás afirma que há mais de um ano sugeriu à prefeitura um programa integrado de atendimento social para acolher pessoas em situação de rua. A proposta prevê a criação de uma comunidade terapêutica nas dependências da Fundação Municipal 25 de Julho, onde seriam desenvolvidas atividades como a laborterapia, permitindo que os acolhidos produzissem seus próprios alimentos.
Além disso, o projeto destinaria 3% das vagas para pessoas que concluíram o tratamento, com o objetivo de reinseri-las no mercado de trabalho. Segundo Piás, até o momento, não houve resposta à proposta.
A estudante de Psicologia Evelin Silva se manifestou contra essa ideia, afirmando que “as pessoas não são tratadas em comunidades terapêuticas e sim têm o trabalho explorado”.
Robson, servidor público municipal e morador do bairro Iririú, afirma que a oferta de emprego não é a solução para a questão das pessoas em situação de rua, pois esse não é o verdadeiro problema. Segundo ele, Joinville enfrenta essa realidade da mesma forma que diversas cidades do país, onde a situação tem se agravado.
Robson argumenta que é fundamental analisar os dados e identificar os fatores que devem ser enfrentados diretamente. “Estudos apontam que uma das maiores causas das pessoas estarem na rua é o uso de álcool e os conflitos familiares”, comenta. Além disso, ele ressalta a necessidade de coordenação e atuação conjunta das políticas públicas no enfrentamento desses desafios.
Guilherme Cauduro, advogado e representante da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), destaca que essa é uma questão de saúde pública e deve ser tratada como tal, pois são pessoas que precisam de tratamento. “Precisamos dar um amparo e encontrar soluções para essa situação que se instalou”, afirma. Ele ressalta a importância de enfrentar essa realidade com urgência, buscando maneiras de oferecer apoio adequado às pessoas afetadas pela dependência química.
Maria Rosenilda, representante da Comunidade Eis Me Aqui, informa algumas ações da entidade voltadas à pessoas em situação de rua. “Nosso projeto Reconectar se uniu ao projeto Joinville Mais Bonita, da prefeitura, por meio do programa Eu Também Sou Cidadão, organizando mutirões para revitalizar praças da cidade”, informa.
Ela ressalta que a comunidade busca oferecer oportunidades reais às pessoas em situação de rua, pois, muitas vezes, elas enfrentam barreiras para conseguir um emprego. “Se eles chegarem sujos, mal vestidos, com o cabelo por fazer e sem endereço, não conseguem um emprego de verdade, nem sequer são ouvidos”, explica. Segundo ela, a comunidade auxilia essas pessoas, permitindo que usem seu endereço e o do Centro Pop para facilitar a reinserção no mercado de trabalho.
Maria também destaca a importância de refletir sobre o real significado do amor ao próximo ao lidar com essas pessoas. “Amar o Cristo da bíblia é fácil, mas assumir essa responsabilidade com comprometimento, olhando para um Cristo sujo, nas calçadas, isso é complicado”, afirma. “A comunidade pretende alimentar o lado bom de todo ser humano, o amor, o respeito e a dignidade, é para isso que trabalhamos”, completa.
Reginildo da Silva, que mora em Joinville há oito anos, critica o sistema do CAPS da cidade. Ele compartilha uma experiência pessoal com o atendimento. “Fui internado compulsoriamente no Hospital Regional por dez dias, e, ao voltar para casa, tive que fazer empréstimos para pagar minhas contas, pois ninguém cuidou das minhas despesas durante esse tempo”, diz. Reginildo acredita que o CAPS não oferece um atendimento eficaz e que, após ser encaminhado para diferentes postos de saúde e centros, não obteve os resultados esperados.
Por fim, ele critica o sistema de trabalho coletivo do CAPS. “Eles colocam usuários de crack, de cocaína e de bebida alcoólica juntos, e o resultado é morador de rua usuário de crack, porque eles fazem contato”, ressalta.
Em entrevista ao jornal O Município Joinville, Ascendino informa que a Comissão Especial fará um abaixo assinado com o objetivo de alterar uma série de legislações que envolvem a questão das pessoas em situação de rua. “Precisamos tornar as leis penais mais rigorosas, são questões que envolvem a alteração do código penal, ao público-alvo do Bolsa Família e as internações involuntárias”, diz o vereador.
O trabalho da Comissão Especial continuará por mais 30 dias. “Temos várias reuniões programadas para falar sobre comunidades terapêuticas, internações involuntárias, entre outras coisas”, informa Ascendino. Após a finalização do trabalho, a comissão apresentará um relatório com o diagnóstico da situação, que será entregue à Prefeitura de Joinville, ao governo do estado e também à Câmara dos Deputados, em Brasília.
Casarão Neitzel é preservado pela mesma família há mais de 100 anos na Estrada Quiriri, em Joinville: