Saiba o que foi discutido na audiência pública sobre tarifa zero no transporte público de Joinville

Diversos munícipes reclamaram da qualidade do transporte coletivo municipal

Saiba o que foi discutido na audiência pública sobre tarifa zero no transporte público de Joinville

Diversos munícipes reclamaram da qualidade do transporte coletivo municipal

Lara Donnola

Nesta segunda-feira, 19, ocorreu a audiência pública para debater o transporte público e a possibilidade de implantação de tarifa zero na cidade. O encontro, proposto pela vereadora Vanessa da Rosa (PT) ocorreu no plenário da Câmara de Vereadores de Joinville. Diversos munícipes reclamaram da qualidade do transporte coletivo municipal.

Apenas três vereadores estiveram presentes na audiência: Vanessa da Rosa (PT), Neto Petters (Novo) e Instrutor Lucas (PL). O vereador Lucas Neto (Republicanos) chegou no meio da audiência. O vereador Wilian Tonezi (PL) justificou a ausência na reunião devido a compromissos previamente agendados.

Como convidados, estiveram presentes representantes do Observatório Urbano de Joinville, do Movimento negro Maria Laura, da Secretaria de Infraestrutura Urbana de Joinville (Seinfra) e do Movimento Catarinense Tarifa Zero.

Seinfra apresenta dados sobre a qualidade do transporte coletivo

O representante da Seinfra foi o primeiro a se manifestar. Ele apresentou um ofício que esclarece falta de linhas, atrasos recorrentes, tarifas, superlotação dos veículos e qualidade dos serviços prestados à população. De acordo com os dados, em 2022, havia 192 linhas em Joinville, ocorrendo o total de 4.742 viagens diárias. Atualmente, há 216 linhas em Joinville, realizando o total de 5.882 viagens diárias.

Segundo o documento, os principais motivos para os atrasos dos ônibus são: acidentes na via, obras na pista, congestionamento, entre outros. Quando não há justificativa para o atraso, e há o flagrante pelo fiscal de transportes, é emitido um auto de infração, punindo o operador pelo descumprimento do horário da viagem.

Em relação à qualidade do sistema, a Seinfra apresentou dados de uma pesquisa de satisfação realizada em 2022 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), que ouviu 2 mil usuários presencialmente e outros 5 mil pela internet. Segundo o levantamento, 42% dos usuários consideraram o serviço de boa qualidade, 37% o classificaram como regular e 21% avaliaram como ruim.

Pontos fortemente considerados bons foram: o atendimento dos motoristas, forma de pagamento e limpeza dos ônibus. Por outro lado, pontos destacados como muito ruins foram: lotação, abrigos de pontos de ônibus e tempo de espera.

Mauro Artur Schlieck/CVJ

Thiago, membro do Observatório Urbano de Joinville, informa que o observatório acompanha há anos a questão do transporte coletivo em Joinville. Ele contestou os dados apresentados pela Seinfra. Segundo Thiago, a prefeitura trata o problema como se fosse algo natural. “Dessa forma, se omitem da responsabilidade ou de estudar e propor modelos que apresentem uma proposta para resolver os problemas” diz.

Para ele, não há propostas efetivas de regulamentação para os usuários. “Tarifa zero é uma questão de acesso à cidade, cultura, lazer, entretenimento e a serviços da cidade”, ressalta.

Eduardo Henrique, geógrafo especializado em políticas públicas municipais que estuda a mobilidade urbana em Joinville há 15 anos, afirma que o valor atual da passagem interfere no direito de ir e vir da população. Ele também contestou os dados apresentados pela Seinfra. “Não dá pra acreditar nessa pesquisa da FIPE. Tô mentindo?”, questionou à plateia, que respondeu em uníssono: “Não!”.

Usuários reclamam do valor da tarifa

Atualmente, o valor da passagem de ônibus em Joinville custa R$ 6,25. Cristian, estudante de história e representante do Movimento Negro Maria Laura, apresentou o gasto mensal que ele e seus colegas têm. “Temos aula presencial todos os dias, por semana nós usamos dez passes. Então a maioria dos estudantes gastam R$ 250 mensalmente com transporte”, informa.

Ele também salienta a questão das pessoas que moram nos extremos da cidade e têm dificuldade de se locomover por conta dos horários reduzidos. “Joinville tem um quilombo que é lá depois de Pirabeiraba. Por que no quilombo só passam três ônibus por dia? Como as pessoas vão se locomover, vir trabalhar no centro, se não há ônibus disponível”, questionou.

“Mobilidade urbana é um direito”

Mário, representante do Movimento Catarinense Tarifa Zero afirma que mobilidade urbana é um direito assim como quaisquer outros direitos previstos na constituição, mas que é restringido por uma questão econômica. “As pessoas deixam de se locomover na cidade por não ter dinheiro para pagar uma das mais caras tarifas do Brasil”, ressalta.

Segundo ele, o valor atual da tarifa chega a custar até 20% para quem ganha até um salário mínimo. “Então pessoas pobres às vezes deixam de comprar alimentação de qualidade para poder se locomover, porque precisam ir estudar, ir trabalhar, nem todos têm direito a vale transporte. Então esse debate é necessário”, diz.

O Movimento defende que o poder público se debruce sobre a realidade atual da cidade nessa questão para estabelecer as alternativas possíveis para implementar a política na cidade.

Larissa, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), afirma que é um problema não discutir o transporte público como uma ferramenta de acesso a diversos direitos. Segundo ela, não adianta tratar de pautas como cultura, educação e saúde sem considerar o transporte como essencial para garanti-los.

Para o munícipe Valdir, essa não é uma pauta de esquerda, direita ou centro. “Estamos discutindo sobre direitos e direitos daqueles que mais precisam. Precisamos fazer com que o transporte público dessa cidade deixe de ser um negócio e se transforme num direito”, declarou.

Ao longo da audiência, diversas pessoas citaram o levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que informa que 145 cidades brasileiras já adotaram o sistema de tarifa zero, oferecendo gratuidade, parcial ou total, no transporte coletivo. Em Santa Catarina, municípios já implementaram a medida.

Transporte coletivo e acesso à educação

Ana, professora da educação básica e educadora em um cursinho popular, defendeu o transporte público como um direito essencial para garantir o acesso à educação. Ela relatou as dificuldades enfrentadas por alunos que dependem do transporte coletivo. “Eu dava aula no ano passado no Guanabara, o meu aluno era do Panagua. Toda primeira aula, ele não conseguia chegar, ele inclusive levava falta”, relatou. Segundo ela, isso compromete o aprendizado, o rendimento e até a aprovação dos estudantes.

“Até parece que é um projeto de precarização para impedir o estudante de chegar na educação superior”, expressa. No cursinho popular da Amorabi, no Itinga, onde atua aos sábados, muitos estudantes precisam sair de casa ainda pela manhã para chegar ao local, esquentar comida na associação e esperar horas até o início da aula, que começa às 14h, por falta de ônibus em horários adequados.

Além disso, a volta para casa também depende de caronas combinadas com os professores, pois o transporte coletivo não cobre o trajeto à noite. Ana destaca que esses jovens, muitas vezes os primeiros de suas famílias a sonhar com a universidade, não têm condições de pagar por um cursinho particular e dependem desse esforço coletivo para continuar estudando.

Mauro Artur Schlieck/CVJ

Elana Benicio, estudante de direito, também reclamou da falta de linhas disponíveis em seu bairro, Jardim Paraíso, para chegar até a sua faculdade, que fica no bairro Iririú. “Os horários são muito espaçados. Não existe horário para ir e voltar da faculdade. Chego todos os dias atrasada na aula”, conta.

“Tenho problemas na volta também, o único ônibus disponível é o Cubatão que sai do terminal às 23h, onde, no último ponto da Tuiuti, minha mãe me busca, já que não tem ônibus para entrar no Paraíso”, diz. Ela relata que não é a única com esse problema, informando que vários moradores que descem com ela no mesmo ponto precisam esperar em torno de 30 a 40 minutos por um ônibus.

Usuários reclamam da falta de linhas e ônibus lotados

Jéssica, estudante de enfermagem, relatou dificuldades com o transporte público mesmo após o fim das restrições da pandemia. Em 2022, ela fazia estágio no Hospital Regional e precisava retornar para casa, na Zona Sul, sem ter ônibus disponível à noite. “Eu gastei R$ 300 com Uber porque não tinha ônibus”, afirmou. Ela explicou que o último ônibus para o bairro Escolinha, onde mora, passava às 22h, o que a obrigava a pagar corridas frequentes.

Ela também destacou que muitas linhas de ônibus que existiam antes da pandemia não voltaram a operar, apesar de serem bastante utilizadas. Para Jéssica, isso prejudica especialmente quem depende exclusivamente do transporte coletivo para trabalhar ou estudar. Além disso, criticou os atrasos e superlotações nos ônibus. “Essa história de que não tem ônibus socado não é verdade. A gente que anda é que sabe”, concluiu.

Rafaela, estudante de direito, relatou experiências com transporte público lotado. “Eu estava indo para o trabalho e precisei pedir licença para sentar no chão de um ônibus lotado”, diz. Ela ainda informou que o ar condicionado estava desligado e as janelas fechadas. “Estava muito abafado, minha pressão caiu”.

“Eu já tinha feito uma reclamação de que não conseguia nem passar na catraca do ônibus por ele estar lotado. Não tive retorno. Quando fiz a reclamação pelo SAC da Transtusa, eles responderam apenas com mensagem automática”, informou.

“Na semana passada, esperei 40 minutos para conseguir entrar em um ônibus. Saí do trabalho às 17h30 e cheguei em casa quase às 19h”, relatou Larissa, do PCB.

Oposição

O vereador Neto Petters (Novo) foi o único a se manifestar contra a proposta de tarifa zero durante a audiência pública. Ele iniciou agradecendo os técnicos responsáveis pelas melhorias no sistema de transporte coletivo e destacou leis aprovadas na Câmara que, segundo ele, contribuíram para desburocratizar o setor.

Petters questionou a viabilidade financeira do projeto, destacando a falta de clareza sobre a fonte de recursos. “Foi apresentado um custo, só que não foi dito de onde vem esse dinheiro. Vocês estão entendendo que o custo é muito grande?”. Durante a fala, o parlamentar foi achincalhado pelo público presente.

O vereador comparou o orçamento necessário com o de cidades menores, como Gramado e Balneário Camboriú, e afirmou que a realidade de Joinville é distinta. Segundo ele, o valor estimado para manter a tarifa zero equivale à metade do orçamento anual do Hospital São José, o que, em sua visão, torna o projeto inviável.

A vereadora Vanessa da Rosa (PT) salientou que essa é uma questão de justiça social. “O transporte público compromete mais de 30% do orçamento das famílias e isso inviabiliza o acesso à cidade, ao lazer, a consultas médicas, a espaços culturais, à universidade. Quem mais sofre são as pessoas de baixa renda que, a partir dessas limitações, são impedidas de avançar, de estudar, de trabalhar e, assim, de mudar de vida”, explicou Vanessa.

Vanessa ainda frisou a importância de estudantes terem o direito de pagar meia passagem no transporte coletivo de Joinville, o que, atualmente, não é uma realidade na cidade.


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