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Servidores da assistência social denunciam sobrecarga de trabalho em Joinville; entenda situação

Prefeitura de Joinville e Sinsej se pronunciaram sobre os casos

Servidores da assistência social denunciaram, por meio do Sinsej – sindicato dos servidores de Joinville, problemas envolvendo desvio de função e sobrecarga de trabalho nas unidades do município. Roberta*, servidora pública há nove anos, relatou com exclusividade ao jornal O Município Joinville os problemas vivenciados na área.

“Desde que cheguei na cidade me assustei com a realidade da assistência social, sempre fomos muito atrasados nas questões assistencialistas, principalmente com a cesta básica e a informatização”, relata. Para ela, a demanda sempre foi alta e a sobrecarga já existe há anos.

Com a pandemia de Covid-19, a situação vem piorando. “Tivemos uma situação muito difícil durante esse período, que foi a demora para a entrega de cestas básicas, as pessoas aguardavam quase três meses pelo benefício”, diz a servidora.

Roberta afirma que essa situação foi o estopim para gerar uma sobrecarga de trabalho em determinadas áreas dos serviços assistencialistas que foram essenciais durante o período pandêmico. “Com a volta do serviço presencial, tivemos um aumento na procura pelo Cadastro Único e consequentemente pelo auxílio alimentação e atendimentos técnicos”, relata Roberta.

Luana* é servidora há mais de dez anos e trabalha na área administrativa. Nesta função, é necessário atender a recepção, realizar a acolhida, responder o WhatsApp, atender ligações e cuidar de toda a demanda administrativa. “O ideal é realizar o serviço em duas pessoas, mas não é o que acontece. Como estou na ponta do serviço, diariamente escuto reclamações, ofensas e até ameaças”, explica.

A servidora diz que isso acontece pois as pessoas solicitam o atendimento e os agendamentos estão sendo feitos somente daqui 60 dias. “Uma pessoa que necessita de um benefício eventual e procurar a unidade hoje, vai apenas passar por uma avaliação daqui dois meses para verificar se está dentro do critério de renda”, acrescenta.

Serviço este que está disponível, segundo as servidoras. “Hoje no CRAS estamos esperando agendamento até novembro. Uma família que aguarda atendimento, terá que esperar até dezembro e se naquele momento a gente não recebeu a cesta básica, aquela família vai esperar ainda mais. Essa é a realidade”, desabafa Roberta.

Atualmente, 90% da demanda e da agenda dos serviços assistencialistas está ligada à alimentação. “Esse é um serviço de solução imediata e se a pessoa já supriu ele trabalhando ou conseguindo o alimento de outra forma, obviamente ela faltará no atendimento”, explica.

Segundo Roberta, é comum pessoas irem até o local um dia antes ou um dia depois da data marcada, por não terem recursos para lembrar. Ou aparecer em outro momento, relatando que no dia conseguiu um trabalho como diarista, por exemplo, e não tinha como avisar.

Desvios de função e sobrecarga

Durante o período pandêmico, segundo Roberta e Luana, auxiliares de educador e cozinheiras precisaram realizar funções em outras áreas. As pessoas se disponibilizaram por ser um momento de calamidade devido à Covid-19.

“O pós-pandemia chegou e aquilo permaneceu. Pessoas fazendo cargos em funções que não são suas, principalmente na parte administrativa”, relata Roberta. Segundo as servidoras, as funções eram atendimento ao telefone, entrega de documentos e outras funções não atribuídas aos cargos.

O adoecimento dos servidores também é colocado em pauta. “Isso vem da sobrecarga de trabalho e também do assédio moral, pois somos cobradas sempre. É emocionalmente desgastante”, conta Luana. O trabalho é desafiador, segundo as servidoras, por lidar com famílias de extrema pobreza, sem uma garantia de um benefício imediato para um problema imediato.

Roberta relata que, pela falta de educadoras, alguns servidores precisavam ler regulamentos e entender as questões básicas para ajudar as auxiliares que trabalhavam no local. “O certo seria duas educadoras e duas auxiliares por turno, mas a equipe estava pela metade”, completa.

“Não garantimos o mínimo”

“Hoje temos fila de atendimento para acolhimento. Nossa lei prevê que devemos garantir os direitos das pessoas a alimentação e auxílio, mas hoje não garantimos o mínimo”, relata Carla*, servidora há mais de 15 anos.

Para ela, os serviços estão enfraquecidos e a área precisa de políticas públicas fortes. “Vemos pessoas sendo excluídas como moradores de rua com passagens pela polícia”, conta. A solução encontrada foi realizar atendimentos coletivos para realização do Cadastro Único (CadÚnico).

“É um atendimento irregular, sem sigilo. Me mandou, eu atendo, mas não vou ter garantia de dar privacidade e garantir os direitos dessa pessoa. Não vou conhecer realmente quem estou atendendo”, completa Carla.

Para ela, o necessário é realizar um concurso público para a contratação de novos profissionais da área. Luana explica que o ambiente de trabalho é bom e as pessoas se apoiam, porém há muita pressão. “Tentam a todo custo maquiar a situação para parecer que está tudo bem”, conta.

Elas afirmam que muitos servidores estão sendo afastados por conta da saúde mental e outras doenças. “Você consegue imaginar dizer não para pessoas em situação de extrema vulnerabilidade? É demais ter que lidar com isso”, conta Luana em relação a falta de cesta básica.

Sinsej se pronuncia

O Sinsej –  sindicato dos servidores de Joinville publicou em junho um comunicado com algumas denúncias de servidores públicos com relação a sobrecarga de trabalho e desvio de função. Na nota, o sindicato relata que esse é “mais um caso de sobrecarga de trabalho, assédio moral e pressão psicológica”.

Confira a nota completa:

“A gestão do prefeito Adriano Silva (Novo) segue com sua política de sucateamento do serviço público. Não satisfeito com o caos na saúde e na educação, a prefeitura também não está nem ai para o setor de assistência social. Enquanto o prefeito dança passinho, a categoria sofre.

Nos postos de trabalho onde os servidores da assistência social atuam, o desvio de função é prática recorrente. Cozinheiras e educadores são obrigadas a fazer serviços administrativos. A situação se reflete, naturalmente, no atendimento à população. Os agendamentos para atendimentos nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) estão sendo marcados somente para outubro e novembro e há uma pressão da gestão para que os profissionais deem um jeito na fila, como se eles tivessem esse poder. Ainda existe uma demanda reprimida nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que tratam de situações de negligência, violência e maus tratos. As famílias que necessitam desse setor estão há meses aguardando atendimento. O serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, por exemplo, atende crianças mulheres e idosos não está sendo oferecido na sua totalidade, com redução de tempo e de dias da semana ofertados.

Recentemente a prefeitura fez um processo seletivo para novos contratados, mas isso não resolveu o problema, uma vez que a demanda por atendimentos é grande. Somente a abertura de concurso público, como preconiza a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH), poderia solucionar o problema. O volume de trabalho será sempre crescente, de modo que contratos temporários não são a solução. Além disso, os contratados têm carga horário diferente dos servidores, ainda que exerçam a mesma função. Eles são forçados a trabalhar nessa situação por determinação contratual, sem os mesmos direitos dos servidores.

É mais um caso de sobrecarga de trabalho, assédio moral e pressão psicológica envolvendo a gestão pública comandada por Adriano Silva e pelo partido Novo. Que o gestor e a sua sigla tinham aversão ao serviço público já era claro desde a sua campanha eleitoral, porém, o prefeito se omite da sua função, que é prover estrutura para os trabalhadores e bom atendimento para a população.”

O que diz a prefeitura

Em entrevista ao jornal O Município Joinville, a secretária de Assistência Social, Fabiana Cardozo, relatou que a demanda para o Cadastro Único e a procura por cestas básicas aumentou desde o início da pandemia de Covid-19.

Dados da prefeitura mostram que, em maio de 2021, 80.342 pessoas estavam cadastradas no CadÚnico, um total de 30.668 mil famílias. O número seguiu aumentando durante o ano. Já em dezembro de 2021, o número de famílias cadastradas chegou a 34 mil, com 89 mil pessoas no total.

Anteriormente, havia 24 mil famílias cadastradas. “Cerca de 97 mil pessoas foram cadastradas até maio deste ano, são quase 38 mil famílias em dois anos. Nessa pandemia, também tivemos nosso serviço reconhecido como essencial, então tivemos uma procura absurda por serviços”, explica.

Com a demanda, é uma realidade o adoecimento do servidor, principalmente em um período pandêmico. “Estamos realizando cursos com psicólogos com o tema de ações preventivas. Além de que tivemos a contratação de 14 assistentes, nove psicólogos e um nutricionista”, conta. Está em trâmite também a contratação de mais oito profissionais, em categoria emergencial.

Foi realizado também um remanejamento dos profissionais que queriam se deslocar para alguma outra unidade da Assistência Social. Servidores que estava há quase dez anos atendendo casos de alta complexidade foram para a Assistência Básica. “Foi bem difícil de fechar, pois também precisamos pensar nos locais que tem mais demanda e precisam de mais pessoas”, relata.

A secretária negou o aumento de demanda, no sentido de horas trabalhadas, já que todos os atendimentos são realizados por meio de agendamentos. São, em torno, de um atendimento por hora. “O que vem sendo conversado é o atendimento coletivo para casos menos complexos. Casos de violência e mais graves são tratados de forma individual, como sempre”, afirma Fabiana.

Conforme relatado, são realizadas estratégias para que não haja tantas faltas nos serviços. O Cras do Comasa tem 1.199 usuários aguardando atendimento para realizar o Cadastro Único. No entanto, foi o local que mais teve ações nos fins de semana. “É também o espaço que teve mais falta. Nesse última semana, foram agendados 57 cadastros, cinco pessoas faltaram”, acrescenta.

Casos de desvio de função

Dos casos de desvio de função, dois deles foram confirmados pela Prefeitura de Joinville. “Os dois foram em Cras. Uma auxiliar de educador e uma cozinheira. Já alinhamos, detectamos os casos e solucionamos”, conta.

No caso do auxiliar de educador, segundo Fabiana, o Serviço de Atendimento e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) está acontecendo duas vezes na semana, por três horas cada dia. Nos outros momentos, foi pedido para a auxiliar ajudar na recepção com as demandas.

“Como a pessoa não quis e realmente não era uma atribuição dela, foi então resolvido e solicitado que a pessoa fosse para a Casa Abrigo Viva Rosa, trabalhar no local”, explica. O outro caso foi de uma cozinheira que, por ver as demandas da população, ela se colocou à disposição para ajudar nas demandas da recepção. Com a denúncia, ela foi realocada para a sua função.

*Os nomes são fictícios para preservar a integridade dos denunciantes.

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