TESTE
Com apenas 16 anos, a jovem taiwanesa Chuang Hsiaowen saiu da cidade natal Zhang Hua (Changhua) para se aventurar no mundo. Incentivada pela mãe, Chuang decidiu fazer um ano de intercâmbio em Joinville, uma cidade a mais de 18 mil quilômetros de distância de casa. O que era para ser um ano sabático, virou uma […]
PARAGRAFO INTRODUTÓRIO DA SÉRIE
Chuang não sabia exatamente o que queria para o futuro, mas estava certa que procuraria uma vida mais leve. A situação ficou ainda mais complicada quando chegou o momento de passar em uma boa escola pública, pois a família não podia pagar por um colégio particular.
Foi então que a mãe dela sugeriu um intercâmbio no Brasil. A ideia era que Chuang tirasse um ano para conhecer outra cultura, relaxar e voltar para finalizar a escola. Como a tia dela morava em Joinville e a mãe tinha outros amigos pelo país, decidiram que o destino seria o Norte de Santa Catarina.
“Foi falado que Joinville era uma cidade mais tranquila e calma, para um adolescente ficar em Joinville é o melhor que tem. Não é pequeno, mas não é muito grande”, conta ela.
Chuang pousou em São Paulo em junho de 1998. “Eu lembro que estava uma loucura no Brasil, foguete em todo lugar.”. Era ano de Copa do Mundo e o Brasil ia bem na competição.
“Naquele momento a gente nem conhecia o que era copa do mundo”, conta Chuang. A Copa do Mundo da França terminou em julho daquele ano, a seleção brasileira foi até a final, mas terminou em segundo lugar.
Passando pela rua Ottokar Doerffel, Chuang se encantou com um lindo parque, repleto de flores artificiais, no topo de um morro. mpolgação na jovem tawainesa Ela achou o cenário maravilhosoa empolgação “Até que descobri que é um cemitério municipal aqui em Joinville”, conta ela.
Ela e a tia foram morar em uma casa no bairro Saguaçu. O imóvel foi comprado pela tia dela e o pai de outro taiwanês, que se mudou para o Brasil meses depois. A casa era perto da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), local que ela começou a frequentar para fazer exercícios e acabou conhecendo diversas pessoas. Naquela época, Chuang visitava o Mirante do Morro do Boa Vista semanalmente. A estrutura ainda era em formato de caracol.
Para passar o tempo, que antes era preenchido com a escola e visitas à avó, Chuang adotou a televisão como parte da rotina. Segundo ela, foi assim que aprendeu mais o português. “Eu lembro da novela ‘A Casa das Sete Mulheres’, esse foi muito legal”, recorda ela.
“Esse primeiro ano foi maravilha, parece um pássaro que ta dentro da gaiola e foi para casa. Pensa, 16 anos, sem pais, foi ótimo, muita coisa para conhecer”, confessa Chuang.
Com o fim do intercâmbio, Chuang precisou voltar a Taiwan. Mas já estava decidida a voltar e tentar a vida no Brasil.
Quando finalmente voltou, foi matriculada na escola Germano Timm. Naquele ano ela fez a sexta série apenas para acompanhar o português, já que, pela idade, estaria mais avançada. “Como tem a tia que falava português, a gente tinha um tradutor lá em casa, ai segundo ano precisei me virar sozinha e começamos a avançar no português”, afirma.
No ano seguinte, se mudou com a tia para a rua São Paulo e foi estudar no Rui Barbosa, onde fez o sétimo e o oitavo ano. Nos anos seguintes, se inscreveu no supletivo e concluiu o ensino médio. Nesse estágio, ela já entendia melhor o português.
Quando a situação complicava, ela recorda que utilizava um dicionário. “Eu levava meu dicionário e sempre pegava o panfleto do supermercado, porque tem a figura e o nome embaixo, é assim que a gente começa a aprender no dia a dia”, recorda.
Na época, a cantora Simone estava no auge e era a favorita da amiga, que sugeriu uma homenagem a artista. “Eu achei legal, um nome gostoso, bonito”, conta Simone.
Os favoritos dela, como espinafre chinês, broto de chuchu e broto de abóbora, ela só encontra em alguns lugares de Curitiba e São Paulo. Para ela, a culinária brasileira é um pouco pobre quando o assunto é folhagens e formas de cozinhar. No restaurante que ela administra com a tia, os pratos são preparados utilizando técnicas orientais, como o cozimento a vapor, ao bafo, frito e refogado.
O local serve comida brasileira e taiwanesa há 9 anos, com a proposta de apresentar pratos econômicos e sem carne. Todo o cardápio do Ming Zhou é vegetariano ou vegano e faz sucesso entre os brasileiros. Simone conta que é comum pessoas carnívoras conhecerem o espaço e virarem clientes fieis.
“A gente gosta de conquistar estômago de um carnívoro, ao comer em um restaurante sem carne, não sente falta”, ela explica. “A gente também quer [acabar] com uma visão do brasileiro que acha que para ser vegetariano ou vegano precisa ser rico”, pontua a taiwanesa.
Enquanto no Brasil ela sente falta das opções de folhagens da terra natal, e Taiwan, ela sente saudade do pão de queijo. “Sempre que volto quero comer, chego do aeroporto já pego um pão de queijo”.
Já no Brasil, Simone sente que isso é diferente. Para ela, os filhos costumam ter menos responsabilidades em relação aos pais, enquanto em Taiwan é cultural acolher os genitores na velhice.
Mesmo que a mãe dela passe alguns meses no Brasil com ela, Simone sabe que vai chegar o momento que ela precisará largar tudo em Joinville e voltar para cuidar dos pais. Inclusive, a mãe de Simone é famosa no bairro por promover oficinas de Tai chi chuan na Praça da rua Piratuba. Nos meses que ela passa em Joinville, é comum ver o grupo praticando a arte milenar em alguns dias da semana.
Além dela, a irmã mais velha e o irmão caçula, que mora no Brasil, devem se programar para o momento que vão precisar tomar conta dos pais.
Outra grande diferença entre Joinville e Zhang Hua é o visual das ruas. Na cidade dela, existem corredores de calçamento com cobertura, desta forma, se chover, as pessoas não se molham. “A gente sabe que Joinville tem muita chuva, aqui não tem onde esconder”, ela comenta.
A quantidade de placas nas ruas também impressionou Simone, que estava acostumada com ruas repletas de propagandas por onde olhasse. Hoje ela já está acostumada e entende que Joinville tem pontos muito fortes, como os poucos prédios em área urbana. “O céu parece maior, com muito prédio fica limitado”, explica.
Como Simone acompanhou uma parte expressiva do crescimento de Joinville, ela aprendeu a valorizar iniciativas que reduzem o trânsito, comuns em Taiwan. Na cidade dela, por exemplo, não existem ônibus circulares e poucos tem carros. A maioria das pessoas anda de motocicleta ou bicicleta para a locomoção diária. Quando é necessário fazer viagens maiores, de uma cidade para a outra, o trem é o veículo mais utilizado.
“Lá tem muita população, então o governo e a prefeitura não cobram aluguel da bicicleta, se você faz o deslocamento que não passa de trinta minutos”, ela explica. Ela recorda que o sistema funciona muito bem desde os 16 anos, quando saiu de Taiwan pela primeira vez.
“O turismo se divide em dois tipos, o turismo normal de viagem e outro turismo industrial, e acabei ficando mais nisso”, conta ela. Ao concluir a faculdade em 2004, começou a trabalhar como tradutora para empresas de Joinville. O crescimento das relações comerciais entre o Brasil e a China, possibilitaram que ela trabalhasse para as maiores empresas da região, como a antiga Embraco, Whirpool, Weg, Arcellor Mittal entre outras.
“Muitos chineses acabaram chegando em Joinville e acabei entrando na área”, Simone explica. As conexões que ela firmou na faculdade ajudaram ainda mais a abrir o leque de serviço que ela passou a ofertar. Alguns colegas dela trabalhavam em agências, com todo o sistema de transporte e roteiro turístico.
Durante a semana ela acompanhava chineses nas feiras e empresas, e nos fins de semana ia nos passeios pela região. Tradução permitiu que Simone conhecesse o Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Campo Grande e outras regiões do país.
Mas ela lembra até hoje da primeira experiência, que foi traumática. Na ocasião, ela foi chamada pela Embraco para prestar o serviço de intérprete. Entretanto, embora falasse português, não tinha domínio dos termos industriais. “Eu me senti muito decepcionada com meu português, não conseguia avançar, mas a gente aprende na prática e continuei fazendo isso”, lembra ela.
Após longos anos de experiência, Simone começou a cansar um pouco da função. A rotina nas empresas, que podiam chegar a mais de 50º C, consumiam muito ela. Durante os primeiros anos no mercado de trabalho Simone começou a considerar colocar o sonho dela em prática, abrir um restaurante.
O Ming Zhou foi o trabalho de conclusão de curso (TCC) dela, que desejava oferecer um espaço saudável e seguro para os turistas. “No meu TCC coloquei um restaurante vegetariano para receber o turista com uma viagem de tranquilidade, que não pega frutos do mar, com doenças ou carne”, ela recorda.
Em 2016, o restaurante virou realidade. Já que Simone não sabia cozinhar, abriu o negócio com uma tia, também de Taiwan. “Ela também queria abrir resultante, só que ela não fala portugues e eu não sei cozinhar”, conta ela.
Mas nem tudo são flores, Simone lembra que quase desistiu de empreender um mês antes.
“É triste abrir um negócio aqui, muita burocracia para tocar um negócio”, desabafa. “É bem difícil até hoje”, conclui.
Segundo ela, 2024 é o ano em que ela vai planejar como serão os próximos passos. Ela sabe que vai precisar voltar para cuidar dos pais, mas ainda tem muito o que resolver por aqui. “Eu nem sei como vai acontecer pra frente já que minha irmã casou e meu irmão casou. Voltando a essa questão de amor filial, a gente já sabe que tem essa responsabilidade de cuidar dos pais”, explica. “Não sei até quando vou conseguir ficar aqui.”