Tradição que ultrapassa gerações em Joinville: conheça grupo que realiza novena de Natal em casa
Mãe e filha e gêmeas organizam encontros no bairro Boa Vista
Mãe e filha e gêmeas organizam encontros no bairro Boa Vista
As novenas de Natal em casa são tradicionais em Joinville. Organizadas pelos grupos bíblicos de reflexão de igrejas católicas, as famílias abrem as casas para a vizinhança durante nove dias. Durante esse período, a comunidade se reúne para confraternizar e se preparar para o nascimento do menino Jesus. Esse costume religioso ultrapassa gerações no Boa Vista e sobrevive da tradição que é repassada de mãe para filha.
Maria Ivoní, de 74 anos, começou a participar das novenas de Natal quando chegou em Joinville, em 1973. Membro da igreja católica, fez parte do grupo de reflexão da rua, foi catequista, organizou ações sociais e ficou conhecida, tanto que ganhou a medalha de mérito Antonieta de Barros da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.
Essa tradição passou para a família através da filha Ivânia, de 52 anos, que continuou o legado da mãe com os grupos de reflexão, catequese e a vida na igreja. Neste ano, quem organiza o grupo da rua são as gêmeas Nathalia e Kauany, de 16 anos. Esse é o primeiro período do advento das duas como animadoras de novenas de natal.
Moradoras da rua São Vicente, no bairro Boa Vista, Maria Ivoní e Ivânia pertencem à Comunidade Santa Luzia, da Paróquia Imaculada Conceição. Naturais de Brusque, elas nunca tinham vivenciado uma novena de natal antes de chegar em Joinville.
Ivoní conta que ainda nos primeiros dias na cidade viu a procissão passar pela casa da família de madrugada. “Eu entrei no bloco do povo, deixei minhas filhas dormindo e entrei”.
No meio da caminhada, uma das organizadoras passou o terço para ela e pediu que fizesse um mistério – reza de dez Ave Marias do terço. “Eu nunca tinha feito um mistério no meio do povo”, ela lembra. Mesmo surpresa por ter sido escolhida, Ivoní rezou o que lhe foi pedido. Foi ali que começou a história da família com a igreja em Joinville.
As novenas de natal marcam o fim do período de advento, que são as primeiras quatro semanas do ano litúrgico. Elas costumam acontecer dentro dos próprios grupos de reflexão da rua, organizados semanalmente por algum “animador”. Toda semana os fiéis se encontram na casa de um membro do grupo, normalmente um vizinho de rua, para ler um texto religioso, a bíblia, compartilhar reflexões e cantar.
Já na época de natal, nos nove dias que antecedem a celebração do nascimento de Jesus, os encontros são diários. Com a coroa do advento presente, acendem uma nova vela todos os domingos, por um mês. O terceiro domingo é o domingo da alegria, simbólico para comunidade católica. Quando acaba o mês, é Natal, e a vela central, que representa Jesus, ganha a chama.
Essas novenas de natal consistem em três reuniões para cada pessoa da Santíssima Trindade. Ao fim do ciclo, os participantes estarão prontos para receber Jesus em casa.
Ivânia conta que antigamente as novenas não eram em casa. As pessoas se juntavam e caminhavam pelas ruas. Quando o grupo passava pela casa de alguém, essa pessoa se juntava e continuavam a procissão atrás da coroa do advento.
“Em 73 tinha muito mais gente na rua”, recorda Ivani. Ivânia lembra que a mãe passava de casa em casa chamando as famílias. Para a filha, as novenas agora são mais concretas, isso porque são baseadas em um livro elaborado pela diocese, onde cada encontro está previsto e planejado.
No fim dos encontros, Ivânia conta que os membros concretizam alguma ação. Seja doação de algum material, vaquinha para pagar aluguel de algum necessitado ou uma oração. “Quando é fome é a mesma coisa, quando cai casas é a mesma coisa”, completa Ivoní.
“Que cada casa que a gente chega, fique um pouquinho da esperança, de amor, da bondade de Deus, de saber que eles podem contar com Jesus na vida dele no dia a dia, que esse Jesus é capaz de muita coisa”, explica Ivânia sobre o propósito dos encontros.
Ao longo da trajetória, a mãe dela foi responsável por uma cozinha comunitária, construiu quatro casas e até auxiliou no parto bebês. A lista é tão grande que se perde na memória. A vida dedicada a Deus rendeu histórias, amigos e inspiração para os mais jovens.
Nathália e Kauany, de 16 anos, são as animadoras do grupo de reflexão que Ivoní e Ivânia fazem parte. Mesmo jovens, já comandam as primeiras novenas de natal. Membros atuantes da igreja há pelo menos quatro anos, as duas ficaram inseguras quando foram convidadas para assumir a animação do grupo.
Mas a dupla de mãe e filha garantiu o incentivo necessário para as gêmeas aceitarem o desafio. “A gente se ajuda”, diz Ivoní. Elas são um quarteto, que constroem um legado religioso a cada semana de reunião.
Ao contrário de Nathália e Kauany, Ivânia não queria fazer parte da igreja quando pequena. Ela estava satisfeita em trabalhar e frequentar a escola. Mas um dia a mãe precisou de ajuda na catequese e não resistiu, foi ajudar e nunca mais saiu. “É uma semente, ela é lançada”, se diverte contando sobre a influência da matriarca.
As gêmeas também convivem com Ivaní desde pequenas. Ela foi a catequista da mãe das meninas. Nathália e Kauany começaram a trajetória na igreja no retiro da crisma, lá conheceram o grupo de jovens que frequentam até hoje. Começaram a assumir responsabilidades dentro da igreja até que receberam o convite de animar o grupo de reflexão.
Por mais que elas já frequentem a igreja, nunca tinham participado intensamente de um grupo. Elas lembram das novenas de natal na casa da avó e na própria Ivoni. “A gente gostava mais dessa época de natal, que tinha o Terno de Reis que a gente cantava e dançava”, explica Nathália empolgada.
Mais envergonhada, Kauany escuta a irmã falar com atenção, é como se uma fosse a locutora das duas, traduzindo o sentimento da irmandade. Mas ela não poupa palavras para descrever o que espera ao fim das novenas de natal. “Que eu espalhe o amor de Deus para cada pessoa que está nesta novena”, conta Kauany.
Já Nathália conta que espera sentir como se tivessem cumprido uma missão. “Nesse tempo de advento o que eu mais prezo é a minha humildade, ser humilde como Jesus foi”, completa.
As gêmeas não sabiam como era coordenar um grupo de reflexão. Antes mesmo de aceitarem o convite, a ansiedade já batia forte. No primeiro encontro com as coordenadoras, tiveram que organizar de uma semana para a outra. “Eu lembro que eu fui com as pernas tremendo. Aí chegou aqui e foi tudo natural”, Nathália se diverte ao recordar.
Por mais que tenham desafios, elas se fortalecem com apoio da comunidade. Seja de padres, diáconos e outros membros da igreja, saber que essas referências acreditam nelas faz toda a diferença.
Ivânia conta que está cada vez mais difícil organizar as novenas de natal, isso porque as pessoas viajam no fim de ano, ou trabalham até tarde no horário estendido do comércio. “O certo era terminar dia 23, porque dia 24 a gente celebra a vigília e dia 25 o natal, mas hoje em dia a gente não consegue fazer” explica Ivânia.
Na primeira novena de natal de 2022 do grupo, que ocorreu na sexta-feira, 9, na casa de Ivânia e Ivoní, as irmãs ainda não tinham encontrado todas as casas para os nove dias de celebração. Mas elas sabem que vai dar tudo certo, já que tem duas referências às guiando na caminhada.
“É que nem receita de família, né?”, explica Nathalia sobre levarem a tradição para frente. Ivânia vê com entusiasmo a animação das meninas, já que a maioria dos animadores dos grupos do bairro são de meia idade ou idosos. “Olha como é bonito rejuvenescer”, exclama enquanto olha orgulhosa as gêmeas.
“Cada vez me fortalece mais, cada vez tenho mais certeza que estamos no caminho certo”, completa Ivânia.
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