Uso de máscaras dificulta comunicação para pessoas surdas em Joinville

Deficientes auditivos relatam dificuldades em meio à pandemia da Covid-19

Uso de máscaras dificulta comunicação para pessoas surdas em Joinville

Deficientes auditivos relatam dificuldades em meio à pandemia da Covid-19

Em um mundo à parte, como se as pessoas estivessem dentro de uma história em quadrinhos, mas seus balõezinhos de fala estivessem vazios. É utilizando a analogia de gibis, gosto que carrega desde a infância, que Darley Goulart Nunes, de 25 anos, expressa seu sentimento com relação à sua deficiência auditiva.

Único surdo da família, quando criança, utilizava a imaginação para criar roteiros e idealizar o que as pessoas pudessem estar falando. O mesmo acontecia quando assistia à TV. Já adulto, Darley se deparou com uma realidade triste: poucos são os lugares que oferecem atendimento em libras, mesmo que a Lei de Libras já exista há 19 anos.

A dificuldade do jovem se intensificou ainda mais durante a pandemia da Covid-19, com a obrigatoriedade do uso de máscaras. Ele afirma que as expressões faciais e corporais, que são inerentes à língua de sinais, ficaram ainda mais complicadas.

Darley Nunes/Arquivo pessoal

“A boca é parte de Libras. Pra mim é importante a leitura labial para entender as coisas. Eu me sinto perdido, fico pensando ‘será que eu entendi errado?’ ou ‘será que alguém me chamou e eu não vi'”, relata Darley.

Ele conta que até entre seus amigos surdos encontra barreiras com o uso do acessório. “Porque falta sentido [na interpretação] sem ver a boca”, completa.

Desafio diário

As idas a farmácias, supermercados, lojas e demais estabelecimentos são encaradas como desafios diários. Darley relata que sua maior dificuldade é frequentar locais que oferecem atendimentos na área saúde, como unidades básicas de saúde, consultas médicas e farmácias.

A Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, em seu artigo segundo, diz que deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

Apesar da diretriz que exige acessibilidade, muitos locais públicos de Joinville não fornecem atendimentos em Libras e, quando fornecem, nem sempre os intérpretes são fluentes. Conforme a última atualização de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 21 mil surdos e deficientes auditivos com algum grau de surdez que residem no município.

“Eu sempre me preocupo mais com a área de saúde, porque é importante receber informações certas para evitar uma piora ou mal-entendido. Imagina se eu tomo um remédio errado?”, indaga.

Um novo mundo

Darley conta que, apesar de já ter nascido com deficiência auditiva, só recebeu diagnóstico para surdez aos quatro anos de idade. E, depois da descoberta, diz, um novo mundo começou a se abrir.

“A minha família é de ouvintes. Eles falavam e eu me sentia em um mundo à parte. Quando tinha 4 anos, fui para escola de surdos, tive contato com outras crianças surdas, e fiquei animado. Eram iguais a mim”, conta.

Para ele, a língua de sinais é algo tão natural quanto a falada. Atualmente, o jovem estuda Tecnologia em Produção Multimídia Bilíngue (Libras/Português), em Palhoça, e trabalha como Designer Júnior em uma farmácia da cidade, há um mês.

Mas, apesar das conquistas, ele ainda esbarra em empecilhos no dia a dia. “Qualquer pessoa resolve as coisas mais rápido, sinto que perco muito tempo. Isso é injusto”, desabafa.

Em seu local de trabalho, há duas pessoas com conhecimento em Libras, mas não fluentes. Em seu primeiro dia no novo emprego, foi surpreendido: “Quando eu cheguei, eles prepararam um ‘bem-vindo!’ em Libras”, conta, dizendo que se sentiu mais incluído.

Desconforto e alternativas

Andressa Caroline da Silva, 35, presidente da Associação da Comunidade Surda de Joinville, também é deficiente auditiva e explica que a comunicação é baseada em expressões e leitura labial, que geram as palavras-chave capazes de formular uma frase.

Com as bocas escondidas com as máscaras de proteção, Andressa diz ser mais difícil entender quais os sentidos e significados das palavras.

Andressa da Silva/Arquivo pessoal

“Isso gera desconforto. Temos que pedir que repitam várias vezes, pedir que tirem as máscaras para fazermos leitura labial, mas mesmo assim não é suficiente. Precisaria mudar o contexto da frase para compreendermos melhor. Geralmente usam a linguagem pesada ao invés de usar a linguagem leve”, descreve Andressa.

Andressa afirma que uma das alternativas para melhorar a comunicação entre ouvintes e pessoas com deficiência auditiva é o uso de máscaras transparentes.

Ela diz que a máscara transparente não apenas facilitaria a leitura labial, mas ajudaria a compreender as expressões faciais e possibilitaria uma leitura mais visual, bastante importante para a língua de sinais.

“Quando fala ou interpreta Libras, também se inclui os sinais visuais, que chamam mais a atenção e que podem indicar um sentimento: quando se está alegre, ou está triste, se está calmo ou assustado, rindo ou bravo. Isso é o mais importante do meio de comunicação que vem juntamente com Libras”, exemplifica.

Acessibilidade e inclusão

Há três anos, a Farmácia Guanabara, da zona Sul de Joinville, fornece atendimento em Libras. Graziela da Silva Daufenbach, atendente do local, é intérprete e defende que todos os locais deveriam oferecer este recurso.

Ela afirma que muitos deficientes auditivos acabam dependendo de outras pessoas para escrever em um papel o que eles desejam ou precisam de alguém para ir junto aos locais. Mas há também os que buscam por atendimento sozinhos.

“Temos que nos colocar no lugar deles. Hoje em dia é difícil alguém que tenha o básico [em Libras] para se comunicar. Se não tem a comunicação é só escrevendo. Eu defendo que é preciso ter alguém nos comércios e locais de saúde que compreenda pelo menos o básico, pra eles entenderem o que passam pra eles e para que não fiquem dependentes do papel ou de um ouvinte da família”, defende Graziela.

Graziela pensa que, em espaços que fornecem atendimento em Libras, os deficientes auditivos se sentem mais confiantes. Ela também argumenta que, em ambientes da área da saúde, principalmente, as pessoas precisam entender Libras. “Temos que tomar muito cuidado, um sinal errado pode mudar todo contexto”, destaca.

Ana Carolina Ramos, 30, é analista de recrutamento e seleção na RH Brasil de Joinville e atua como intérprete na mesma empresa.

Ela aponta que ter uma pessoa fluente em Libras em locais que oferecem vagas de emprego é essencial para o candidato com deficiência entender a função ofertada, suas atribuições e auxiliar na tomada de decisões.

“É importante sempre ter, pelo público que a gente atende. A gente procura incluir todas as pessoas no mercado de trabalho, nosso foco é a inclusão, e nada mais justo ter alguém que auxilie neste processo”, afirma.

No local, atualmente, há três intérpretes em Libras: Ana, que já é fluente, e duas ainda em formação. A analista afirma que há muitas empresas de Joinville que buscam candidatos PcD (Pessoa com Deficiência) e seu trabalho é essencial na hora de direcioná-los.

“Nós avaliamos vários aspectos antes de indicar os candidatos, para não prejudicá-los. Sempre buscamos atuar nesta parte”, finaliza.


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