Vereador propõe central de intérpretes para surdos em Joinville

A comunidade surda enfrenta dificuldades no atendimento das repartições públicas, apesar da legislação garantir o dever à acessibilidade

Vereador propõe central de intérpretes para surdos em Joinville

A comunidade surda enfrenta dificuldades no atendimento das repartições públicas, apesar da legislação garantir o dever à acessibilidade

Redação O Município Joinville

Por Pedro Conte, estudante de Jornalismo na UniSociesc

Os dados do IBGE apontam que 5% da população brasileira é composta por pessoas que são surdas, ou seja, esta porcentagem representa mais de 10 milhões de cidadãos. Em Joinville, são cerca de 21 mil surdos. Apesar do número expressivo de moradores com deficiência auditiva, a comunidade ainda enfrenta dificuldades para acessar serviços básicos na cidade, principalmente no atendimento público de saúde.

A lei federal 13.146, de 2015, institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, garantindo o exercício dos direitos e liberdades fundamentais. Para as pessoas surdas, estabelece o ensino de Libras, a inclusão no mercado de trabalho e a acessibilidade no atendimento em serviços públicos, entre outras normas. Em Joinville, a lei ordinária 7.335, de 2012, estabelece obrigações básicas e critérios básicos de acessibilidade no município.

Apesar das legislações, os surdos enfrentam diferentes barreiras. Uma das maiores dificuldades está relacionada à área da saúde. A professora de Libras e Português, Lídia Costa Ferreira, surda oralizada, conta que grande parte dos hospitais, Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e postos de saúde não possuem profissionais nas equipes de atendimento que tenham formação em Libras.

“A dificuldade é enorme. Quando chega no hospital, por exemplo, não tem intérprete, então o surdo precisa encontrar uma maneira para ter acessibilidade. Já aconteceu comigo, precisei ligar para um familiar que sabia Libras e fazer uma videochamada, mas o hospital não aceitou como apoio”, relata.

“Então, se a lei garante acessibilidade de Libras, por que não é cumprida? É questão de
respeito à legislação e o cumprimento dos nossos direitos que quase sempre são negados.”
complementa Lídia.

Lídia é professora de Libras e Português e questiona cumprimento da lei de acessibilidade. | Foto: Pedro Conte

Projeto de lei pode mudar realidade

Em Joinville, a Câmara de Vereadores analisa a criação de uma Central de Intérpretes de Libras para garantir a acessibilidade no atendimento nas repartições do serviço público municipal. O projeto de lei 202/2024, de autoria do vereador Brandel Junior (PL), prevê que a central disponibilize intérpretes para pessoas surdas e também guias-intérpretes para surdocegos, mediante agendamento.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara escolheu o vereador Neto Petters (Novo) como relator da proposta. Ele pediu urgência na avaliação da comissão e, depois, se aprovada, seguirá para as Comissões de Finanças e Saúde.

Se aprovado na Câmara e sancionado pelo prefeito, a Prefeitura de Joinville terá 90 dias para regulamentar a execução e após a publicação do decreto, 180 dias para implementar o serviço.

O vereador Brandel Júnior argumenta que a implementação da central é possível, pois já existem empresas que possuem aplicativos e uma central de intérpretes profissionais. Com isso, a atividade na cidade poderia ser realizada por meio de uma parceria público-privada ou edital de contratação.

“Conversando com a comunidade surda, a maior necessidade deles é ter uma melhor comunicação com o médico e a recepção das repartições públicas. Por exemplo, uma mãe surda que vai ao pediatra e precisa transmitir a situação do bebê, não consegue se expressar porque tem dúvida e o médico geralmente utiliza máscara, o que dificulta a leitura labial. Com a central por videochamada a intérprete de Libras traduz na hora para o médico e para mãe, trazendo uma maior segurança”, explica o vereador.

O projeto prevê que as despesas do serviço sejam pagas com dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Joinville respondeu que não se manifesta sobre projetos que estão em discussão pelo Poder Legislativo. “Em respeito à independência dos Poderes, a prefeitura aguarda a finalização da discussão para posteriormente se manifestar sobre o tema”, diz a nota.

Ensino de Libras promove inclusão

A legislação brasileira reconhece a Libras como língua oficial e meio de comunicação e expressão desde 2002. Em 2005, o decreto federal 5.626 estabeleceu como disciplina o ensino da Língua Brasileira de Sinais. Em Santa Catarina, apenas em 2024 foi sancionada a lei 19.031, que determina à rede pública estadual de ensino que garanta acesso de estudantes com deficiência à educação bilíngue, sendo a Libras como a primeira língua e o português escrito como segunda língua.

Em Joinville, atualmente há quatro escolas polos com ensino de Libras nos bairros Guanabara, Itaum e Fátima. Na rede estadual de ensino, não há escolas polos bilíngues, mas os alunos surdos possuem auxílio de segundo professor e intérprete, além de atendimento com instrutor no contraturno escolar.

Lídia, professora bilíngue, conta que se reconheceu como uma pessoa surda aos 22 anos, durante as aulas de Libras na Escola Municipal Monsenhor Sebastião Scarzello, no bairro Itaum. Depois passou no concurso para lecionar a disciplina bilíngue para turmas formadas apenas por alunos surdos de ensino fundamental na Escola Polo Municipal Professora Anna Maria Harger, no bairro Guanabara. “É desafiador, mas é muito legal ser uma professora-referência, pois os alunos precisam ter um professor surdo como referência.” comenta.

A lei federal 12.319, de 2010, exige a formação em nível médio para a atuação profissional como tradutor e intérprete de libras, realizado em cursos profissionalizantes reconhecidos pelo Ministério da Educação de formação em nível superior.

Entre as competências, o intérprete de Libras deve ter domínio da língua de sinais, incluindo gramática, vocabulário e estrutura linguística. Deve ser capaz ainda de transmitir não apenas as palavras, mas também as emoções através das expressões faciais e manter a privacidade das informações pessoais e profissionais compartilhadas durante a interpretação.

Neusa Boldt, professora e intérprete bilíngue, destaca que o intérprete está inserido na comunidade surda com um papel de confiança. “Grande parte dos familiares das pessoas surdas não sabe a Língua Brasileira de Sinais. Então, já fui chamada para ir ao hospital auxiliar no atendimento com o médico. No atendimento de psicologia, por exemplo, fica o surdo, o profissional psicólogo e o intérprete de Libras”.

“É muito importante para a comunidade surda que os próprios profissionais de cada área
saibam Libras, promovendo assim a inclusão”, complementa Neusa.

Neusa Boldt, professora e intérprete bilíngue, destaca que o intérprete está inserido na comunidade surda com um papel de confiança. | Foto: Arquivo Pessoal

A professora conta que muitas pessoas utilizam o cordão de girassol porque a deficiência auditiva é oculta. “Você passa pelas pessoas e não sabe que são surdas, depois que vai ter um contato ou perguntar uma informação e a pessoa expressa ‘eu sou surda’, mas o diálogo não continua. Eles dizem que são como estrangeiros em seu próprio país”, conta.

Ela ressalta que a quebra do capacitismo e preconceitos começa pelas escolas. “Os alunos,
após aprenderem Libras, passam a entender a importância da inclusão e ficam mais atentos à sociedade. As crianças já me contaram que ajudaram surdos no supermercado, pois os funcionários não sabiam Libras e vêm felizes contar para a gente que ajudou e isso é muito gratificante”, conclui Neusa.

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