Vereadora mirim de Joinville propõe distribuição gratuita de absorventes em postos de saúde

Ana Carolina tem 14 anos e seu projeto, se aprovado, pode virar lei em todo Brasil

Vereadora mirim de Joinville propõe distribuição gratuita de absorventes em postos de saúde

Ana Carolina tem 14 anos e seu projeto, se aprovado, pode virar lei em todo Brasil

Com o restante do rosto tapado pela máscara de proteção, os olhos castanhos de Ana Carolina da Maia, vereadora mirim de Joinville, ganham destaque. São eles que sorriem enquanto ela vislumbra o futuro e se mostram brilhantes quando expõe seus ideais.

Ana tem apenas 14 anos, mas defende causas importantes feito gente grande. Vereadora mirim desde o ano passado, antes mesmo de assumir o cargo, a jovem já mirava seus olhos atentos a causas despercebidas.

Tudo começou quando passou a acompanhar a mãe em um grupo de palhacinhos da igreja, que ajuda famílias carentes. Depois disso, após um incentivo de seu professor de história, a menina se interessou pelo legislativo da cidade e quis fazer parte.

Câmara de Vereadores de Joinville/Divulgação

No início, Ana não entendeu a seriedade da função, conta, mas logo depois da primeira sessão, já levava à ‘casa do povo’ um assunto de extrema importância: acabar com a pobreza menstrual de mulheres que não têm acesso a produtos de higiene durante o período de menstruação.

Estudante do ensino privado, Ana deu exemplo ao observar o mundo para além do que seus olhos podem alcançar. Ela já tinha conhecimento que pessoas não tinham condições de comprar comida, por exemplo, mas não tinha se atentado a esta questão de higiene.

“Uma vez vi uma pessoa falando sobre o assunto e ficou na minha cabeça. Fiquei pensando: ‘nossa, tem gente que não tem condições de comprar um absorvente e ninguém faz nada. Vou tentar fazer alguma coisa, já que estou na Câmara, eu posso tentar fazer algo’”, conta a estudante.

Projeto pode virar lei

No mês de julho, após defender o assunto durante uma de suas falas na tribuna livre, Ana resolveu protocolar um projeto de lei que visa acabar com a pobreza menstrual de mulheres através da distribuição de produtos de higiene gratuitamente em unidades de saúde.

O projeto foi enviado para Câmara Mirim de Brasília e, caso fique entre os três melhores do país, algum deputado federal pode assumir a autoria e dar prosseguimento à proposta, levando para votação na Câmara dos Deputados. Caso aprovado, o projeto pode virar lei em todo Brasil.

Nada impede, também, de algum vereador de Joinville assumir a proposta e levar para votação. Inclusive, a vereadora Ana Lúcia (PT) tem um projeto parecido na Câmara.

Na Câmara Mirim do município, dois projetos já foram escolhidos entre os três melhores do Brasil, em 2017 e 2019. Ana tem a expectativa que seu projeto seja classificado e torne-se lei. Mas caso não aconteça, não é isso que vai desencorajá-la.

“Espero muito que dê certo, mas mesmo que não dê, vou tentar de alguma outra forma fazer algo parecido”, garante.

Palavra livre

Na última segunda-feira de cada mês, as sessões dos vereadores mirins na Câmara de Joinville obedecem a todo ritual: o presidente da Casa faz a abertura e dá espaço às discussões durante a palavra livre.

É neste momento que os jovens se apossam do microfone e expandem suas inquietudes, que podem ser relacionadas à sua escola, seu bairro ou qualquer assunto de interesse público. Caso alguém discorde ou queira acrescentar algo, a tribuna é livre.

Após as sugestões de melhorias, os assuntos são votados, protocolados e encaminhados à Prefeitura de Joinville como ofício. O prefeito Adriano Silva tem 30 dias para responder as indicações.

Câmara de Vereadores de Joinville/Divulgação

Após enfrentar o nervosismo inicial, Ana tomou gosto pela nova ocupação. Enfática e objetiva, gosta de ir direto ao ponto quando sobe na tribuna. Antes disso, claro, busca embasamento sobre o assunto que irá apresentar.

Foi justamente entre uma leitura e outra que a garota descobriu que sua defesa ia muito além da questão econômica: envolvia também saúde e educação.

“Tem meninas que faltam 45 dias no ano letivo na escola por conta da menstruação. Tem mulheres que usam papel, qualquer pedaço de pano que tem, e isso pode causar uma infecção ou uma coisa pior. É uma coisa muito importante que envolve saúde e também a educação”, enfatiza.

Ajuda ao próximo

Seja por causas de cunho social, ambiental ou animal, desde que passou a fazer parte do legislativo, Ana observa atenta cada canto por onde passa.

Um cachorro perdido na rua, um buraco aberto que seja, a vereadora vai atrás de melhorias. “Se pudesse, ela pegava todo cachorro que ela vê na rua”, confidencia a mãe, Luciana Otto Maia, 48.

Luciana afirma que o lema sempre foi “fazer o bem, sem olhar a quem”. E foi da mãe que trouxe esta ânsia por ajudar ao próximo. Também foi de Luciana que trouxe o gosto por falar. Mas nem sempre foi assim, conta a mãe, já que Ana, quando menor, era mais introvertida e pouco comunicativa.

Do pai, puxou o gosto por discussões políticas. “Se alguém tiver alguma reclamação, fala pra ela que ela leva lá [na Câmara]”, brinca Luciana.

“Orgulho”

Orgulho é a palavra que resume o sentimento de pessoas que conhecem Ana desde criança. A diretora da escola onde estuda, Elisa Thomazi Bratti Coelho, fala com empolgação que a vereadora mirim vem se destacando no ranking de participações e cita a importância de seu papel social ao levantar essas discussões.

“A temática específica da pobreza menstrual, às vezes não passa na cabeça do nosso alunos. A gente é de uma escola privada, querendo ou não as pessoas têm uma certa condição financeira. Então, imaginar que tem mulheres que passam todo mês por esta situação e não têm material adequado para higiene acaba sendo um choque. [Nos faz] se colocar no lugar e pensar ‘o que posso fazer pra ajudar?’”, define a diretora.

Câmara de Vereadores de Joinville/Divulgação

Silvia da Silveira, coordenadora da escola, considera relevante que os alunos tenham conhecimento, desde cedo, sobre questões do poder legislativo. Ela diz ser possível observar a evolução dos estudantes a cada sessão.

“Muito [importante], porque infelizmente eles conhecem a política de forma distorcida, e é uma palavra aberta que eles têm para exercer a cidadania. A gente vai na primeira sessão deles e na última e vê a evolução deles na fala, postura. É uma coisa que [Ana] vai levar pra vida dela”, comenta Silvia.

Enquanto Ana fala, os olhos da mãe Luciana até brilham e chegam a marejar, principalmente quando cita as conquistas da filha. Ela vê como positiva as defesas de Ana e deixa claro para quem quiser ouvir seu apoio a ela.

“A Ana tem a personalidade dela, os ideais, e ninguém tira isso dela. É meu orgulho, tudo que ela faz eu apoio e estou junto quando posso”, destaca.

Apesar da segurança em suas defesas, Ana ainda não sabe qual profissão seguir. A política não está na lista das principais carreiras que pensa em assumir, mas seu desejo é bem claro: “ quero continuar ajudando as pessoas de alguma outra forma”.

Nas horas vagas, além de ler, Ana gosta de pintar paisagens. Assim como colore suas telas, Ana quer também pintar o mundo descolorido ao seu redor. Boa parte deste caminho, inclusive, já vem sendo trilhado.

Arquivo pessoal

 

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