Isabel Lima/O Município Joinville

Após o pior terremoto da história da Turquia, em fevereiro de 2023, Hania Shukri, de 32 anos, e Rami Nashed, de 37 anos, embarcaram com os dois filhos para o Brasil. O casal sírio sabia que encontraria a paz e tranquilidade em algum canto do país. Por recomendação de um amigo, chegaram em Joinville para recomeçar a vida.

Assista ao vídeo e conheça a história de Hania Shukri e Rami Nashed:

A história da família é a segunda a ser contada na série Virei Joinvilense, um especial produzido pelo jornal O Município Joinville em comemoração ao aniversário de 173 anos da cidade, comemorado dia 9 de março. Ao todo, são cinco reportagens e cinco vídeos publicados semanalmente em omunicipiojoinville.com.

A vinda para o hemisfério Sul foi repleta de emoções. Apenas com a roupa do corpo, os quatro saíram de casa no meio da noite. O terremoto de fevereiro de 2023 deixou 53.537 mortos e 107.213 feridos na Turquia. Além disso, a Síria também foi atingida pelo fenômeno, registrando pelo menos 5,9 mil mortes. Rami, Hania, Julia e Jade escaparam.

A família já conhecia o Brasil. Em 2017, eles foram para Goiânia passar as férias, onde Jed nasceu. Entretanto, Hania e Rami se apaixonaram pelo país e decidiram ficar. Pouparam o dinheiro separado para as férias e Rami começou a buscar emprego na cidade. Após sete meses de procura, ele foi chamado para trabalhar na Turquia.

Entretanto, o sonho de morar no Brasil não tinha acabado. “Quando o terremoto aconteceu, a primeira coisa que pensamos foi ‘lar’, o Brasil é lar para nós”, diz Rami. “Casa não é o lugar onde você nasceu, casa é o lugar onde você quer viver, que te dá a chance de ter um bom futuro e te dá uma vida”, acrescenta Hania.

Foi a operação da Força Aérea Brasileira (FAB) que deu uma carona para a família e outros brasileiros e estrangeiros. Os 17 resgatados embarcaram em um KC-30 sendo testemunhas de um dos maiores voos da FAB, com duração de 15 horas.

Foto: Força Aérea Brasileira/Divulgação

“Foi uma ótima jornada”, reocorda Rami. “Era tudo tão grande. Eles nos levaram para conhecer a cabine. Eles sabiam que estávamos em uma situação ruim e tentaram ser gentis”, completa Hania.

 

Após a carona militar até o Rio de Janeiro, a família pegou outros dois voos, para São Paulo e finalmente Joinville. O mesmo amigo que recomendou a cidade para Rami, buscou a família no aeroporto e os levou para uma casa provisória.

“Ele sabia que nós não tínhamos uma casa, ele nos deu um lugar para ficar de graça”, ressalta Rami. A mãe do amigo tem uma casa de dois pavimentos separada e cedeu a parte de cima para a família passar alguns meses.

“Quando nós chegamos na casa, eles tinham preparado pijamas, escovas de dente, brinquedos para as crianças. Foi algo que realmente tocou o coração”, recorda Rami.

Apesar de estarem se sentindo em casa, Hania atravessou um longo período de estresse pós-traumático, além de toda família passar pelo luto de amigos da Turquia. “Até hoje não melhorou muito, sequer consigo deixar meus filhos dormindo em outro quarto”, conta.

Mais alguns meses se passaram e a família se mudou para um apartamento no Bom Retiro, onde moram com dois gatos, o Sete e o Oito. No meio tempo, a história da família foi divulgada pela imprensa e fez com que Rami conseguisse um emprego na cidade.

Alguém da alta gestão da SoftExpert, empresa que oferece softwares de gestão, viu uma entrevista e se interessou pela experiência de Rami com comércio exterior. Fora a experiência no ramo, Rami fala inglês e árabe, facilitando as trocas comerciais.

Já Hania cuida dos filhos e da casa. Ela também tem um canal no YouTube sobre a vida no Brasil, onde mostra as aventuras da família por vídeos que ela mesmo grava com o celular.

Jed, o caçula, nasceu em Goiânia em 2019, por isso, tem passaporte brasileiro. Julia conseguiu a nacionalidade também, pois a legislação brasileira permite que irmãos de até 10 anos compartilhem o direito.

Por serem crianças, os irmãos já conseguem falar português. Os pais sabem algumas frases que aprenderam com o projeto Imigrante Cidadão do Centro Universitário Católica em Joinville. O programa oferece aulas de português para imigrantes gratuitamente, todos os sábados. “O professor e a professora já são nossa família”, conta Hania.

Embora estejam há pouco tempo em Joinville, o casal formou fortes laços de amizades com brasileiros. Esses amigos mostram a cidade e a região para a família, que já foram até no rio Piraí, em parque aquático e chegaram a visitar Florianópolis e Balneário Barra do Sul.

“Nós fomos à festa junina e amamos”, lembra Hania. Aos fins de semana eles costumam sair com as crianças para brincar, mas às sextas-feiras o compromisso sagrado os levam a única mesquita da cidade, o Centro Islâmico de Joinville.

Além da tragédia que tiveram que encarar na Turquia, Hania e Rami tem uma história repleta de viagens. Eles se conheceram na Síria. À época Rami dava aulas de inglês e Hania virou uma de suas alunas. Os dois se apaixonaram, mas tiveram que terminar, pois Rami terminou os estudou e foi trabalhar na Arábia do Sul.

Hania também se mudou, mas foi para o Egito com a família. A distância não foi o suficiente para afastar o casal, que decidiu se casar em 2013. Desde então, já moraram no Egito, onde Julia nasceu, Gana, Turquia e Goiânia, no Brasil.

Embora já tenham vivenciado alguns cantos do mundo, a família ainda foi surpreendida por alguns costumes brasileiros. Um deles é a forma que as famílias lidam com a maioridade. “No nosso país é comum encontrar família que criam os filhos dentro de casa até o casamento”, conta Rami.

Fora alguns costumes específicos, a família está bem adaptada em Joinville. “A gente não vê o que não goste aqui, não é frio”, pontua Hania. “A única dificuldade é que as pessoas não falam inglês”, finaliza Rami.