21/06/2021 | 10:00


Por Lucas Koehler
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Visto em Joinville pela primeira vez há 150 anos, o guará-vermelho voltou ao mangue da cidade em 2011, trazendo novamente a cor rubro aos céus do bairro Espinheiros, na zona Leste do município. Com a plumagem avermelhada nos adultos, medindo de 50 a 60 centímetros, a ave, hoje, é um símbolo da região, contribuindo para o lazer, autoestima e valorização dos moradores com o local.

Guarás-vermelhos colorem o céu da cidade | Foto: Daniela Fink/Arquivo Pessoal

A coloração, porém, faz parte de um processo que se inicia com os filhotes, negros de nascença, que passam a cinzas do ventre branco quando juvenis. Com o bico longo e curvo para capturar suas presas, alimentam-se, principalmente, de pequenos caranguejos, sendo o diferencial para a cor final.

De acordo com a bióloga Daniela Fink, o tom vermelho dos guarás está diretamente ligada a dieta. Os caranguejos possuem substâncias químicas chamadas de cantaxantina, possibilitando que pigmentos se concentrem nas penas da ave.

“Em indivíduos de cativeiro e zoológicos pode acontecer de adultos apresentarem uma coloração desbotada, isso se deve quando a alimentação é deficiente deste carotenoide”, explica.

Guarás-vermelhos em área de mangue, no bairro Espinheiros | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville

Para a bióloga, Joinville poderia “abraçar” de formas mais efetivas a presença da ave. “Lembro que a alguns anos atrás, vários guarás foram registrados voando em Florianópolis e virou atração. Isso não ocorreu por aqui”, cita.

Preservar a espécie pode, inclusive, fomentar o lazer e turismo na cidade. Fink diz que, por chamar a atenção pela cor, o guará-vermelho contribui na educação ambiental e ecoturismo na região da Baía Babitonga.

Apesar de estar na cidade, o guará-vermelho enfrenta constantes dificuldades para se manter na região. Em 2016, uma infestação de lagartas desfolhou e derrubou árvores, gerando algumas alterações no comportamento reprodutivo e na alimentação da espécie, inclusive, mudando o local de reprodução das aves.

Placa colocada em uma entrada para o manguezal busca conscientizar moradores da região | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville

Daniela cita ainda que os guarás ingeriram resíduos sólidos, como elásticos de borracha, dinheiro, lacre metálico, ponta de bexiga e fragmentos plásticos.

Voz ativa pelo manguezal

História, pertencimento, afeto e voz ativa em defesa não só do local em que reside, mas de todo meio ambiente e fauna que são vizinhos de sua moradia. Desse modo, José Correa, de 68 anos, reúne elementos para impedir a destruição da natureza e a retirada da autoestima dos moradores do bairro Espinheiros.

O “Seu Zé”, como é conhecido na região, chegou no local em 1988, quando o bairro, como é hoje, ainda não existia. Nascido em Cascavel (PR), veio a Joinville para trabalhar no chão fabril. Mas, já em solo joinvilense, recebendo um baixo salário e sem dinheiro para pagar o aluguel, foi um entre vários migrantes que decidiram ocupar o manguezal e construir um barraco de “seis por seis” em cima da baía e terras marrons escuras.

José Correa, de 68 anos, foi um dos primeiros a ocupar o bairro Espinheiros, em 1988 | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville

De liderança na luta por moradia, José passou a ser uma peça-chave em defesa do manguezal. Ele lembra que, antes, o ecossistema do Espinheiros era vasto em caranguejos, mariscos e outros frutos-do-mar, mas, atualmente, a realidade é menos saborosa. “Está tudo poluído, no rio você vê sofá, televisão, muitas coisas jogadas no mangue”, lamenta.

Manguezal no bairro Espinheiros, zona Leste de Joinville | Lucas Koehler/O Município Joinville

O morador é símbolo do bairro e critica moradores e pessoas de outras regiões que poluem o local, mas também exige maior presença da administração municipal para aumentar a preservação. “Precisa de mais limpezas. Devem deixar as árvores, mas roçar o mato, estar mais presente por aqui”, solicita.

Impacto do esgoto

Conforme um estudo realizado pela bióloga, por conta do esgoto, o guará pode se tornar suscetível a infecções por patógenos bacterianos, tendo em vista que existe a possibilidade de a espécie buscar alimento em áreas contaminadas.

Foto: Daniela Fink/Arquivo Pessoal

Responsável pelo tratamento de esgoto na cidade, a Águas de Joinville afirma que toda a Bacia do Espinheiros possui rede coletora para o descarte de dejetos das casas.

Além disso, o esgoto doméstico é coletado e tratado na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Espinheiros. Os serviços, porém, não abrangem os efluentes industriais, já que a companhia não recebe essa categoria de material.

Apesar de não ter projetos voltados exclusivamente para o guará-vermelho, a companhia ressalta que realiza o monitoramento da fauna aquática em três pontos na Lagoa do Varador. De acordo com a assessoria de imprensa da Águas de Joinville, já foi realizado um ano de monitoramento na região, mas ainda não foi possível analisar os dados.

Educação com potencial transformador

Com 473 alunos, grupo formado por crianças de 4 meses a 5 anos, o Centro de Educação Infantil (CEI) Espinheiros decidiu unir a coragem dos educadores com a paixão de quem está iniciando a vida para conscientizar, valorizar e promover o manguezal, o guará-vermelho e toda a existência do meio-ambiente no bairro da zona Leste joinvilense.

Para a diretora do CEI Espinheiros, Maria Eli Rabethge, a relação do espaço com o mangue sempre foi próxima. “Não sei se nós estamos no quintal do manguezal, ou é o manguezal nosso próprio quintal”, analisa. Ela cita que com a presença das árvores, guará-vermelho e das graças brancas, o meio ambiente sempre fez parte do seu currículo educacional. “É uma relação muito viva porque nos inspira diariamente”, opina.

Diretora do CEI Espinheiros, Maria Eli Rabethge, no “Barco Espião do Mangue” | Lucas Koehler/O Município Joinville

Eli, como é chamada, diz que essa união tem como objetivo trazer a comunidade para dentro do CEI. A parceria tem rendido bons frutos. Com ela, moradores e profissionais da educação já realizaram um mutirão de limpeza em torno do mangue, por exemplo, sendo recolhido até duas toneladas de produtos de plástico, sofás, móveis, entre outros descartes. “Tudo com o envolvimento da comunidade, dos funcionários aos pais”, lembra.

Espião do Mangue

Entre diferentes ideias e projetos, em 2013, um marco: a construção do “Espião do Mangue”, um barco que se tornou símbolo não só do centro educacional, mas também do bairro Espinheiros. Nele, o imaginário das crianças se torna mobilização para fiscalizar os cuidados com o mangue, já que a embarcação está em uma altura sobre o muro, que faz divisa com o ecossistema costeiro.

“O barco é um lugar potente, de muita observação, seriedade pedagógica e afeto. É uma relação forte, uma sustentação de tudo aquilo que acreditamos em nossa profissão de educador, pois ele é transformador”, contextualiza a diretora.

Foi o Espião do Mangue que impulsionou o CEI a olhar “para fora”. A partir daí, o espaço começou a pautar ainda mais a sustentabilidade na região, com elaboração de projetos envolvendo atividades de preservação à costeira, separação dos resíduos, captação de água da chuva, entre outros projetos.

Valorização do guará-vermelho

Apesar de chamar a atenção pela beleza, tanto o guará-vermelho quanto a área de manguezal deveriam ser mais bem tratados e valorizados por toda Joinville. É o que defende a pesquisadora e bióloga Daniela Fink. Para ela, a cidade deveria realizar pesquisas científicas de longo prazo, possibilitando saber, ao menos, quanto tempo de vida livre um guará pode ter, além de promover trabalhos de conscientização sobre o descarte adequado de resíduos sólidos na cidade.

Foto: Daniela Fink/Arquivo Pessoal

Outras ideias, de acordo com ela, estão ligadas ao turismo, já que a região é rica em diversidade de aves, com mais de 470 espécies. “O turista poderia observar as espécies desde as florestas montanhosas, passando pelo manguezal, florestas de baixada e chegando à praia”, analisa.

Guará-vermelho chama a atenção dos moradores do Espinheiros pela coloração única no local | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville

Já a diretora do CEI Espinheiros, Maria Eli Rabethge, com o sentimento no coração e na ponta da língua, pede que a população pense mais no planeta e de como cuidar do meio ambiente “de fora para dentro”, aprendendo com as novas gerações. “Imagina você ter a possibilidade de, todos os dias, naquelas águas escuras, ver uma ave de cor tão linda”, expõe olhando ao horizonte.

Ela também defende a ideia de ver a educação como ferramenta de transformação. “Não é fácil educar, é necessário refletir constantemente”, diz. A educadora ainda faz um convite. “Não perca a oportunidade de ver um guará-vermelho no meio do manguezal, é uma imagem que vai impactar para o resto da vida”, finaliza.

Joinville tem 470 espécies de aves | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville