Após absolvição de acusado, jovem usa redes sociais para denunciar estupro em Joinville
Homem foi absolvido por falta de provas segundo o TJ-SC
Homem foi absolvido por falta de provas segundo o TJ-SC
“Por mais que eu tente esquecer, é uma coisa que vai ficar na minha mente pelo resto da vida”. É assim que a joinvilense Madalena* termina a denúncia de um estupro que teria sofrido em 2018, por um antigo professor de canto, em Joinville. O caso repercutiu nas redes sociais nesta semana após a jovem criar uma conta no Instagram.
O momento escolhido para relatar o ocorrido foi o dia 8 de março, última terça-feira, quando é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Em conversa com o jornal O Município Joinville, Madalena explicou o que motivou ela a expor o caso, que está em segredo de justiça, e a data escolhida.
“Eu escolhi essa data, pois ela sempre é lembrada por flores. E na verdade, deveria ser pela luta dos direitos iguais. Mas principalmente porque o réu foi absolvido do caso, mesmo com as provas”, conta. Madalena diz saber que pode ser penalizada, mas que está fazendo isso para incentivar mulheres a não se calarem diante um abuso sexual.
A vítima acredita que, mesmo sendo doloroso, os relatos podem ser uma força para que vítimas não fiquem em silêncio. “Foi complicado para mim, uma mulher adulta. Não consigo imaginar como seria para uma criança que sofreu abuso. Quero que as mães dessas meninas vejam meu caso e protejam suas crianças”.
Segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), o acusado foi absolvido, em fevereiro de 2022. Os argumentos da defesa foram levados em consideração, por meio do princípio in dubio pro reo, ou seja, havendo dúvida perante às provas, o réu é favorecido.
Por meio de exames, foi comprovado que havia sêmen na roupa íntima de Madalena e que ela teria tido relação sexual.
No entanto, não há exames que comprovem a autoria do réu. Segundo TJ-SC, neste tipo penal, é necessário a prova do ato sexual e da consciência do autor do fato quanto ao estado de impossibilidade da vítima em oferecer resistência.
A Justiça entende que, embora o relato da vítima confirme ser provável a hipótese de autoria do réu, não há prova de que a relação sexual tenha sido praticada sem que ela pudesse resistir.
Por isso, apesar da acusação pedir pela condenação do réu, o TJ-SC considera que os autos não possuem elementos suficientemente seguros para confirmar o delito.
O Instagram, intitulado como “Mais uma Madalena“, foi privado após a defesa do réu realizar um boletim de ocorrência e pedir a remoção do conteúdo, relatando a quebra de sigilo.
“Estão tentando me silenciar e me tratando como uma criminosa”, conta a vítima. Conforme relatado por Madalena, a defesa do réu abriu um processo contra a quebra de sigilo e por danos morais. Madalena irá recorrer da decisão por meio do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC).
Segundo a vítima, o abuso teria acontecido em um local conhecido dela, em dezembro de 2018. Madalena participava de aulas de técnica vocal, o acusado era professor particular de um espaço, que ficava ao lado de uma igreja no bairro Glória.
Ela relata que, desde a primeira aula, o acusado, que era professor de Madalena, levava bebida alcoólica e induzia os alunos a beberem. “Ele é uma pessoa carismática. Desde o início foi uma pessoa simpática e que se mostrou confiável”, conta.
Na época, a vítima estava em um relacionamento. Um dia antes do abuso, Madalena foi em uma festa de encerramento da empresa que trabalhava e por conta de questões pessoais, foi para a aula de canto no dia seguinte muito abalada.
Por conta da relação de confiança, Madalena contou o que havia acontecido e ele a ofereceu bebida alcóolica. “Ele queria que eu ficasse. Pediu para que eu confiasse nele e ficasse tranquila”, relembra. A vítima relata que começou a beber junto ao acusado. Em determinado momento ele teria relatado que havia levado algo a mais. “Ele colocou algo no meu copo porque, a partir desse momento, eu comecei a passar mal”, acrescenta.
Madalena afirma que começou a perder a consciência por volta das 14h40. Ela lembra de vê-lo próximo a si e colocando as mãos por dentro de sua roupa. Madalena ficou inconsciente por horas. Às 17h56, o acusado entrou em contato com terceiros relatando o estado de embriaguez.
A vítima pontua que não lembra do abuso. Diz que ficou inconsciente por cerca de três horas com o acusado. Naquela mesma noite, ela chegou a ir ao hospital, mas por estar passando mal. “Tudo que lembro são os flashes. Em seu depoimento, o Réu afirma que eu estava babando, tendo convulsões; como em uma overdose. Certamente ele inseriu algo ali que me fez passar mal”, alega.
Em suas lembranças, Madalena lembra da enfermeira perguntando se havia sido apenas bebida, pois ela precisou de três bolsas de glicose para recobrar a consciência. Após acordar no dia seguinte, Madalena pensou: “Algo estranho aconteceu, acho que eu sofri um abuso sexual”, recorda.
Segundo ela, apenas flashes passaram por sua mente. Madalena passou por alguns hospitais até ser atendida e realizou um boletim de ocorrência. Realizou exames e tomou medicamentos recomendados em casos de abuso sexual.
O primeiro laudo pericial comprovou que houve conjunção carnal e em sua calcinha continha fluídos de sêmen. Apenas três dias depois que o exame toxicológico pode ser feito e o resultado foi negativo.
Após isso, Madalena teve um quadro grave de depressão, em 2019. “Falar não é confortável, mas é necessário. Por conta disso eu quase tirei minha vida. Ainda é difícil”, relata a vítima.
Foi por conta da profissão e do trabalho com crianças que ela continua tentando se reerguer. “As crianças sentiam que eu não estava bem e sempre perguntavam como eu estava, era difícil”, conta.
Madalena relata que o caso a marcou em diversos fatores. Ela ficou um ano sem beber, sempre se julgava por suas ações. As questões com a sexualidade também mudaram, o que tornou o ato algo agressivo em sua visão. “É doloroso ver sua vida mudada desse jeito. É doloroso como a sociedade nos faz pensar”, acrescenta.
Uma das motivações para expor o relato, além da sentença do acusado, foi ajudar crianças e adolescentes que podem passar pela situação a falarem e denunciarem esses abusos. “Não podemos e nem devemos nos calar”.
Segundo a defesa do acusado, a versão que a denunciante informou não é a que consta no processo. Como o processo é sigiloso, a defesa afirma que não pode dar mais detalhes das versões que constam na ação.
Caso o juiz responsável pelo processo decidir pela abertura e divulgação dos dados, a defesa afirma que irá se manifestar de maneira mais completa. “Temos a convicção de que todos perceberão, em consonância com o entendimento do juiz de direito, de que o relato da denunciante é falso”, diz a defesa em nota.
A defesa aproveita a oportunidade para manifestar que a versão que a denunciante passa não é a que consta do processo. Infelizmente não posso apresentar as versões corretas e provadas, pois o processo é sigiloso. Se o juiz responsável pelo caso abrir o sigilo poderemos nos manifestar de maneira mais completa e temos a convicção de que todos perceberão, em consonância com o entendimento do juiz de direito, de que o relato da denunciante é falso. Lamentamos que essa pessoa tente por vias próprias, com base em sensacionalismo, reverter uma decisão judicial baseada na melhor técnica do Direito.
*Madalena é um nome fictício utilizado para preservar a identidade da vítima.
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