Há dez anos trabalhadores aguardam pagamento de dívidas da Busscar

Os que saíram da empresa antes da recuperação judicial ainda não receberam nada

Há dez anos trabalhadores aguardam pagamento de dívidas da Busscar

Os que saíram da empresa antes da recuperação judicial ainda não receberam nada

Fernanda Silva

Dezenove anos de empresa e outros dez de espera na justiça. Udomar Keller, 51 anos, foi funcionário da Busscar até 2010, quando participou de um Plano de Demissão Voluntária (PDV).

Na época, a fábrica estava em crise e ele, que trabalhava como comprador, já não recebia salário há sete meses. 

“Eu pressenti que, dentro da atual situação que estavam, eles não iam conseguir reverter. Foi o que aconteceu”, conta.

O lado financeiro pesou na escolha do comprador. Ele e o filho Dhuan Luiz Xavier, 30, professor e que também passou pelo PDV, eram os responsáveis por toda a renda da família.

Pelo tempo de empresa, o comprador tinha um valor considerável do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para receber, foi o que fez tomar a decisão. Já o filho tinha apenas três anos no almoxarifado.

De lá para cá, muita coisa mudou na vida de pai e filho. Como ficaram algum tempo sem receber, ambos adquiriram dívidas. Keller teve o carro apreendido pelo banco.

“Tivemos que pegar dinheiro emprestado com parentes para pagar as contas”, lembra o filho, “depois ele entrou na justiça e foi indenizado pela cobrança de juros excessivos, mas a financeira permanece cobrando”, completa. 

Na época, Xavier precisou trancar a faculdade de psicologia, pois não tinha como bancar as mensalidades e outros custos. Atualmente, ele é professor, mudou para o curso de letras um ano depois. “Era o que cabia no orçamento”, desabafa.

Ainda sobre as despesas, pai e filho podiam contar com a família, que emprestou dinheiro. Além disso, já tinham casa própria.

“Eu tirei limite, adquiri dívida, fiz empréstimo. Mas tinha gente que não tinha essa possibilidade, então a gente ouvia relatos de que tinha gente passando fome”, relembra o professor.

Hoje, o pai ainda exerce a função de comprador, mas em outra empresa. Ambos estão na justiça desde 2010 esperando os salários atrasados. Logo após saírem, eles e outros ex-funcionários da Busscar entraram com uma ação coletiva contra a empresa.

Um documento de 2015 mostra que a Busscar deve cerca de R$ 150 mil ao pai, valor correspondente à época, e ao filho, quase R$ 24 mil.

“Quando questionado sobre a esperança de receber, o professor é taxativo: “até um tempo atrás tinha, agora não. Se a gente fica pensando muito nisso, desanima.”

Alguns receberam parte da dívida

No fim de 2016, o juiz Walter Santin Junior, responsável pelo caso na época, autorizou o pagamento de 30% da dívida para os credores extraconcursais, ou seja, trabalhadores que permaneceram na empresa após o decreto de recuperação judicial, no fim de 2011.

Na metade de fevereiro deste ano, o atual juiz do processo Edson Luiz de Oliveira determinou o pagamento de mais R$ 40 milhões a estes trabalhadores. A Busscar foi vendida em 2017 para a paulista Caio Induscar.

Os funcionários que pediram a saída antes da recuperação, classificados como concursais, como Keller e Xavier, provavelmente não serão contemplados.

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Oficinas Mecânicas de Joinville e Região (SindMecânicos), a Busscar precisa pagar cerca de 5 mil funcionários, destes, aproximadamente 1.100 são extraconcursais.

Trabalhadores fazem passeata pela Busscar em 15 de fevereiro de 2011. Foto: Arquivo Pessoal

As histórias de Keller e Xavier são um pouco diferente da de Maiko Moreira, 35, que trabalhou como planejador de materiais de 2007 a 2012.

“Eu estava em casa um dia, meu chefe me ligou. Ele disse ‘vem buscar as tuas coisas porque amanhã os portões não vão abrir’. No outro dia era um clima de velório”, conta.

Ele ficou surpreso com o comunicado, pois acreditava na recuperação da empresa. Segundo Moreira, um mês antes do fechamento, a produção tinha até aumentado. 

O trabalhador acompanhou os altos e baixos da recuperação judicial da Busscar, chegou a trabalhar sem receber e até a receber sem trabalhar. Também fez escalas de trabalho com apenas dois dias na semana e pagamento proporcional. 

O ex-planejador de materiais recebeu cerca de 30% da dívida. Mas falta parte como extraconcursal e todo o valor como concursal, já que ele entrou na empresa antes da crise.

Assim como Keller e Xavier, Moreira não tem esperança de receber a outra parte da dívida.

Arte: Djoni Richter/O Município

Difícil decisão 

Quem também recebeu apenas parte do valor foi o ex-operador de máquinas Elian Almeida do Amaral, 57, que trabalhou na Busscar por quatro anos.

Almeida decidiu trabalhar até o último momento, pois acreditava que teria dificuldade para encontrar outro emprego devido a idade e falta de escolaridade. Atualmente, é atendente de alarmes, mas chegou a passar dificuldade na época.

Elian (de vermelho) e outros trabalhadores da Busscar durante o curso de Desenho e Interpretação Mecânica, oferecido pela empresa. Foto: Arquivo pessoal

“Fiquei sem receber, afundei, entrei em dívida, vendi o almoço para comprar a janta. Chorei por não poder pagar minhas contas em dia e por ter que receber ajuda dos parentes. Você fica diminuído”, desabafa.

Ainda assim, considera-se beneficiado, diferente dos colegas concursais. Ele também comenta que, com a crise, a empresa deixou de pagar o FGTS, então quem saiu durante o PDV acabou recebendo pouco. 

Para ajudar a si e aos companheiros, Almeida faz parte da Comissão de Credores da Busscar, que apura e investiga os andamentos do processo. Inclusive, é administrador de um grupo no Facebook que une ex-trabalhadores da empresa. Lá, todos postam informações sobre o caso e compartilham suas histórias.

Atualmente, o déficit da Busscar é de mais de R$ 984 bilhões, de acordo com a União. Segundo a lei 11.101/05, as dívidas extraconcursais devem ser pagas primeiro das feitas antes do processo de recuperação judicial.

Essas contas incluem trabalhadores, tributos, fornecedores, entre outros, o que acaba atrasando o pagamento dos profissionais que saíram antes da recuperação judicial. 

Dúvida sobre condução

Tanto Xavier quanto o pai, contam que o sindicato não havia dado orientação sobre o caso dos concursais e extraconcursais. “Eles até incentivaram a gente, que na venda, ou alguma coisa, nós teríamos todos os direitos iguais”, conta Xavier. 

Para o ex-almoxarife a abertura do PDV parecia uma vitória para o sindicato. “Achavam que, de alguma forma aquilo ia ter uma garantia pros trabalhadores”. Ele cita, porém, que outras empresas que faliram também não pagaram os trabalhadores. 

O presidente do SindMecânicos, João Bruggmann, 65, defende que, na época, era mais interessante que os trabalhadores pedissem demissão, pois estavam há muito tempo sem receber.

Ele conta que não tinha como saber que a empresa viria a falir, nem mesmo que entraria em recuperação judicial. Por tanto, o assunto “concursais e extraconcursais” não foi levantado.

Para Bruggmann, o que deveria ter acontecido era a decretação direta da falência, sem a recuperação, porque daí as dívidas não teriam sido divididas.

O presidente conta também que o sindicato pediu na justiça, em Florianópolis, que o valor da venda da empresa fosse dividido entre todos os trabalhadores. Porém, o pedido ainda não teve resposta.

No momento, o processo está em vista para melhor análise. O sindicato planeja marcar uma audiência pública para discutir o processo.

Colabore com o município
Envie sua sugestão de pauta, informação ou denúncia para Redação colabore-municipio
Artigo anterior
Próximo artigo