A obesidade é uma doença bem definida atualmente, que causa ou exacerba múltiplas comorbidades médicas e psicológicas, diminui a longevidade e prejudica a qualidade de vida.

Há 30 anos, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) convocaram uma Conferência de Desenvolvimento de Consenso que publicou uma declaração sobre cirurgia gastrointestinal para obesidade grave, refletindo a avaliação de especialistas do conhecimento médico disponível na época. Especificamente, procurou abordar “os tratamentos cirúrgicos para a obesidade grave e os critérios de seleção, a eficácia e os riscos dos tratamentos cirúrgicos, e incluiu recomendações específicas para a prática”. Essas recomendações nos guiaram até aqui, mas em 20 de outubro de 2022 foram publicadas novas recomendações, veja a seguir os novos critérios para indicação da cirurgia bariátrica.

Índice de massa corporal

Apesar das limitações do índice de massa corporal (IMC) para mostrar com precisão os pacientes com obesidade para seu risco futuro à saúde, é atualmente o exame baseado em evidências mais eficaz para a obesidade em todas as classes de IMC.

Confira os novos critérios de IMC para realização da cirurgia bariátrica:

1. IMC 30–34,9 kg/m² – classificado como Obesidade grau I

Na diretriz anterior a obesidade grau I não entrava, mas agora passou a fazer parte dos critérios. Estudos científicos apoiam que a cirurgia bariátrica deve ser considerada uma opção de tratamento para pacientes com obesidade grau I, que não conseguem alcançar uma perda de peso substancial ou duradoura ou para melhora de doenças que tiveram tentativas de tratamento com métodos não cirúrgicos.

Porém, a recomendação é que se tenha tratamento não cirúrgico comprovado por um período de dois anos. No entanto, se as tentativas de tratar a obesidade e as comorbidades relacionadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono, doença cardiovascular (por exemplo, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, fibrilação atrial), asma, doença hepática gordurosa e esteato-hepatite não alcoólica, doença renal crônica, síndrome do ovário policístico, infertilidade, doença do refluxo gastroesofágico, pseudotumor cerebral e doenças ósseas e articulares não tiverem sido eficazes, a cirurgia deve ser considerada.

2. IMC maior ou igual (≥) 35 kg/m² – classificado como Obesidade grau II ou maior

Dada a presença de dados científicos de alta qualidade sobre segurança, eficácia e custo-efetividade da cirurgia bariátrica na melhoria da sobrevida e da qualidade de vida em pacientes com IMC ≥35 kg/m², a cirurgia deve ser recomendada nesses pacientes, independentemente da presença ou ausência de comorbidades evidentes relacionadas à obesidade.

3. Limiares de IMC na população asiática

A Organização Mundial da Saúde define os termos sobrepeso e obesidade com base nos limiares do IMC. Em sua declaração de consenso do painel de 1991, o NIH afirmou que o “risco de morbidade ligada à obesidade é proporcional ao grau de sobrepeso”. No entanto, o IMC não leva em conta o sexo, a idade, a etnia ou a distribuição de gordura de um indivíduo, e é reconhecido como apenas uma aproximação da adiposidade.

Na população asiática, a prevalência de diabetes e doenças cardiovasculares é maior a um IMC mais baixo do que na população não asiática. Assim, a classificação de risco de IMC para essa população para definir a obesidade está no limiar de 25-27,5 kg/m². Portanto, para os asiáticos, o acesso à cirurgia não deve ser negado apenas com base nos limiares tradicionais do IMC.

Idade

1. População idosa

Com a segurança demonstrada, a cirurgia tem sido realizada com sucesso em pacientes cada vez mais velhos nas últimas décadas, incluindo indivíduos com mais de 70 anos de idade.

Em pessoas com 70 anos ou mais, a cirurgia bariátrica está associada a taxas mais altas de complicações pós-operatórias em comparação com uma população mais jovem, mas ainda fornece benefícios substanciais de perda de peso e remissão de doenças.

A fragilidade, e não apenas a idade, está independentemente associada a maiores taxas de complicações pós-operatórias. Com isso, na verdade o risco de complicações vai depender mais da fragilidade do paciente do que da idade em si.

Além disso, ao considerar a cirurgia bariátrica para pessoas idosas, o risco de cirurgia deve ser avaliado em relação ao risco de morbidade de doenças relacionadas à obesidade, realizado pelo médico.

Assim, não há evidências que apontem um limite de idade, mas recomenda-se uma seleção cuidadosa que inclua avaliação da fragilidade.

2. Pediatria e adolescentes

Crianças e adolescentes com obesidade carregam a carga da doença e suas comorbidades até a vida adulta, aumentando o risco individual de mortalidade prematura e complicações das comorbidades.

A cirurgia bariátrica é segura na população menor de 18 anos e produz perda de peso durável e melhora de doenças. Adolescentes com obesidade grave submetidos a gastroplastia em Y de Roux têm perda de peso significativamente maior e melhora das comorbidades cardiovasculares em comparação com adolescentes submetidos a tratamento médico. Além disso, a melhora da hipertensão e da dislipidemia tem sido demonstrada até oito anos após a cirurgia.

A Academia Americana de Pediatria e a American Society for Metabolic & Bariatric Surgery recomendam a consideração da cirurgia bariátrica em crianças/adolescentes com IMC >120% do percentil 95 (obesidade classe II) e comorbidade maior, ou um IMC >140% do percentil 95 (obesidade classe III).

Além disso, a cirurgia não afeta negativamente o desenvolvimento puberal ou o crescimento linear e, portanto, um estágio específico de Tanner e idade óssea não devem ser considerados um requisito para a cirurgia.

Ponte para outro tratamento

1. Artroplastia articular

Há relatos que sugerem que a SBM pode ser eficaz como ponte para a artroplastia articular total em indivíduos com obesidade classe II/III quando realizada ≥ 2 anos antes da cirurgia articular.

Aparentemente realizar a cirurgia antes da artroplastia total do joelho e do quadril diminui o tempo operatório, o tempo de internação hospitalar e as complicações pós-operatórias precoces.

2. Reparo de hérnia da ventral

A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de hérnia ventral. As evidências sugerem que pacientes com hérnia de parede abdominal grande e crônica podem se beneficiar de perda de peso significativa inicialmente como procedimento em estágios para o reparo definitivo da hérnia. Assim, em pacientes com obesidade grave e hérnia de parede abdominal que necessitam de reparo eletivo, a cirurgia metabólica deve ser considerada em primeiro lugar para induzir perda de peso significativa e, consequentemente, reduzir a taxa de complicações associadas ao reparo da hérnia e aumentar a durabilidade do reparo.

3. Transplante de órgãos

A obesidade grau III está associada à doença de órgãos em estágio terminal e pode limitar o acesso ao transplante, uma vez que é uma contraindicação relativa para o transplante de órgãos sólidos e apresenta desafios técnicos específicos durante a cirurgia. A cirurgia metabólica tem sido incentivada em pacientes com doença terminal como uma forma de melhorar sua candidatura ao transplante. Pacientes com doença de órgão em estágio terminal podem alcançar perda de peso significativa e melhorar sua elegibilidade para receber um transplante de órgão.

A cirurgia mostra-se eficaz como uma ponte para o transplante hepático, renal e cardíaco, e para doença pulmonar em estágio final os dados ainda são limitados.

Paciente de alto risco

1. IMC >60 kg/m2

Não há consenso sobre o melhor procedimento para indivíduos com IMC acima de 60, mas a eficácia e a segurança da bariátrica têm sido demonstrada nessa população, por mais que o risco de mortalidade aumente com o aumento do IMC.

2. Cirrose

Além de induzir perda de peso significativa e duradoura, a bariátrica tem sido associada à melhora histológica da EHNA e regressão da fibrose em casos iniciais, levando a um risco reduzido de câncer. Além disso, a MBS está associada a uma redução de risco de 88% da progressão da NASH para cirrose.

3. Insuficiência cardíaca

Há dados crescentes que sugerem que a cirurgia metabólica pode ser um complemento útil ao tratamento em pacientes com obesidade e insuficiência cardíaca antes do transplante cardíaco ou colocação de um dispositivo de assistência ventricular esquerda (DAVE), e realizado com baixa morbidade e mortalidade.

Avaliação do candidato à cirurgia bariátrica

1. Equipe multidisciplinar

O candidato será avaliado por uma equipe multidisciplinar com acesso a conhecimentos médicos, cirúrgicos, psiquiátricos ou psicológicos e nutricionais. Esse acompanhamento pode facilitar a capacidade do paciente de compreender as mudanças ao longo da vida que podem ser esperadas após a cirurgia, beneficiando-se da experiência de diferentes profissionais de saúde, além de diminuir os índices de complicações pré e pós-operatórias.

2. Perda de peso antes da cirurgia

Embora tenha havido entusiasmo inicial pela perda de peso antes da cirurgia, não há dados para apoiar a prática de perda de peso pré-operatória exigida pelo seguro; esta prática é entendida como discriminatória, arbitrária e cientificamente infundada, contribuindo para o desgaste do paciente, atraso desnecessário do tratamento que salva vidas e progressão de comorbidades com risco de vida. Uma equipe multidisciplinar pode ajudar a avaliar e gerenciar os fatores de risco modificáveis ​​do paciente com o objetivo de reduzir o risco de complicações perioperatórias e melhorar os resultados; a decisão de prontidão cirúrgica deve ser determinada principalmente pelo cirurgião.

3. Avaliação nutricional

Uma avaliação nutricional por uma nutricionista com experiência em cirurgia bariátrica pode ajudar a obter um histórico de peso abrangente, identificar comportamentos ou padrões alimentares e corrigir quaisquer deficiências nutricionais antes da cirurgia. A nutricionista também vai fornecer educação nutricional pré-operatória e preparar o paciente para as mudanças dietéticas esperadas após a cirurgia metabólica. Além disso, a nutricionista pode ajudar no pós-operatório de pessoas que estejam experimentando intolerâncias alimentares, problemas de má absorção e deficiências de micronutrientes e recuperação de peso.

4. Avaliação psicológica e psiquiátrica

Condições de saúde mental, como depressão e transtornos de compulsão alimentar, bem como abuso de substâncias, são encontradas em taxas mais altas entre os candidatos a bariátrica do que na população em geral.

O processo de avaliação psicológica pré-cirúrgica é importante para otimizar os resultados cirúrgicos e implementar intervenções que possam abordar transtornos alimentares, doenças mentais graves e descontroladas ou abuso de substâncias, bem como trabalhar o relacionamento do cliente com a comida. O psicólogo com conhecimento especializado e experiência em saúde comportamental é importante para avaliar pacientes e determinar a capacidade do candidato de lidar com a adversidade da cirurgia, mudando a imagem corporal e as mudanças de estilo de vida necessárias após cirurgia. Além disso, devem ser identificados sabotadores internos e externos que podem afetar os resultados a longo prazo, como a insegurança financeira, habitacional e alimentar, os traumas alimentares e relacionais.

Recomendações

A cirurgia bariátrica no tratamento de obesidade grave e suas comorbidades tem segurança, eficácia e durabilidade, resultando em diminuição da mortalidade em comparação com métodos de tratamento não cirúrgicos.

– A cirurgia bariátrica é recomendada para indivíduos com IMC ≥35 kg/m², independentemente da presença, ausência de comorbidades.

– A cirurgia bariátrica é recomendada em pacientes com diabetes tipo 2 e IMC ≥30 kg/m2.

– A cirurgia bariátrica deve ser considerada em indivíduos com IMC de 30 a 34,9 kg/m2 que não obtêm perda de peso substancial ou duradoura ou melhora da comorbidade usando métodos não cirúrgicos.

– A obesidade clínica na população asiática é reconhecida em indivíduos com IMC >25 kg/m2. O acesso à cirurgia bariátrica não deve ser negado apenas com base nas zonas de risco de IMC tradicionais.

– Não há limite superior de idade do paciente para realizar cirurgia bariátrica. Indivíduos mais velhos que poderiam se beneficiar da cirurgia devem ser considerados após avaliação cuidadosa de comorbidades e fragilidade.

– Indivíduos cuidadosamente selecionados considerados de maior risco para cirurgia geral podem se beneficiar da cirurgia bariátrica.
– Crianças e adolescentes com IMC >120% do percentil 95 e uma comorbidade, ou IMC >140% do percentil 95, devem ser considerados para a cirurgia bariátrica após avaliação por uma equipe multidisciplinar em um centro especializado.

– A cirurgia bariátrica é um tratamento eficaz da obesidade clinicamente grave em pacientes que precisam de outra cirurgia especializada, como artroplastia articular, reparo de hérnia da parede abdominal ou transplante de órgãos.

– A consulta com uma equipe multidisciplinar pode ajudar a gerenciar os fatores de risco modificáveis ​​do paciente com o objetivo de reduzir o risco de complicações perioperatórias e melhorar os resultados. A decisão final quanto à prontidão cirúrgica deve ser determinada pelo cirurgião.

– A obesidade grave é uma doença crônica que requer gerenciamento de longo prazo após a cirurgia bariátrica. Isso pode incluir cirurgia revisional ou outra terapia adjuvante para alcançar o efeito de tratamento desejado.

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Nutricionista Amanda Fuckner Meira
CRNSC – 7298