Caso Gabriella: confira os detalhes do júri popular que condenou Leonardo Martins
Sessão teve início na manhã desta terça-feira, 27, e foi finalizada após cerca de 11 horas de júri
Sessão teve início na manhã desta terça-feira, 27, e foi finalizada após cerca de 11 horas de júri
Tensão, lágrimas e até discussões. Este foi o clima das quase 11 horas do júri popular que condenou Leonardo Natan Chaves Martins, 22 anos, a 12 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato da ex-companheira Gabriella Custódio Silva, 20. O julgamento, que ocorreu nesta terça-feira, 27, considerou o réu culpado por homicídio qualificado.
No período da manhã, quatro testemunhas — uma indicada pelo Ministério Público e outras três pela defesa de Leonardo — foram ouvidas. O primeiro a falar foi o delegado Elieser Bertinotti, que estava de plantão na Polícia Civil na noite de 23 de julho de 2019.
Ele sustentou sua declaração de que uma pistola automática não dispara sozinha, a não ser que seja acionada. “Tenho 21 anos de polícia e eu nunca presenciei disparos acidentais com esta mecânica de arma”, disse.
Além disso, afirmou que, com base no laudo cadavérico, o tiro saiu em linha reta, como se a mão estivesse firme, “de alguém que quer dar o disparo”. Ele questionou novamente a hipótese de tiro acidental, uma vez que, após o disparo, a arma dá uma espécie de “coice” e não pega uma trajetória linear, disse.
O delegado também falou que, além de não apresentar a arma do crime, os celulares dele e de Gabriella também sumiram, impossibilitando a intercepção dos aparelhos e quebra de sigilo. “Para alguém que alega acidente, os celulares eram de suma importância”, declarou.
Ainda conforme depoimento de Bertinotti, durante a investigação, o réu exibiu “comportamento de dissimulação” ao não apresentar essas provas, que poderiam comprovar seu argumento e até inocência.
Outra alegação importante do delegado foi que, conforme depoimento de uma testemunha, no mês de maio, Gabriella se recusou a ir a uma festa, pois, segundo a testemunha, Leonardo tinha uma arma e ela teria ficado com medo.
Após o depoimento do delegado Bertinotti, que durou pouco mais de uma hora, um amigo de Leonardo foi chamado a depor. Ele afirmou nunca ter presenciado brigas entre o casal e que Gabriella mencionou até que gostaria de cursar uma faculdade, já que havia a possibilidade de ser promovida no emprego.
Em seguida, a ex-sogra do acusado foi chamada para a sala do júri. Ela afirmou que Leonardo tinha bom comportamento e era amoroso com ela e com a filha. “Ela que era ciumenta, não ele”, disse.
A ex-companheira entrou logo em seguida e se disse “bastante surpresa” quando soube do caso, pois, durante os cinco anos de relacionamento, nunca sofreu agressões físicas e nem verbais. A ex-companheira frisou que o pedido de término partiu dela.
“Fiquei sem reação, chorei bastante. Da mesma forma que ele me tratava, tratava ela (Gabriella)”, afirmou.
Enquanto as testemunhas de defesa falavam, Leonardo chorou bastante. Em diversos momentos passava as mãos no rosto e ficava de cabeça baixa.
Por volta das 11h30, o réu foi chamado a depor. Questionado pela acusação, disse que saiu do hospital logo após deixar o corpo de Gabriella lá porque estava “apavorado e com medo”.
Com relação a ter colocado ela no porta-malas de sua Chevrolet Captiva, afirmou que fez isso “porque (o porta-malas) estava aberto”, mas “nunca faria isso com ela, foi por desespero”.
Ele negou a afirmação de que possuía uma arma e, com relação às marcas roxas que testemunhas alegaram ter visto no corpo de Gabriella, disse que o casal costumava brincar de “morder nas pernas e nos braços”, o que explicaria os hematomas.
Leonardo ainda disse que havia ciúmes normais de casal, pois “Gabriella era uma mulher linda”, mas nada em excesso.
O promotor do Ministério Público, Ricardo Paladino, perguntou se havia a possibilidade de ele ter feito uma brincadeira ao mostrar a arma à jovem e atirado nela. Ele negou a hipótese.
Durante as oitivas com delegado Elieser Bertinotti, Leonardo se dispôs a ir até o Canal do Linguado apresentar onde seu pai teria jogado a arma, mas desistiu em seguida. De acordo com ele, por orientação dos advogados.
O juiz Aracheski pediu para que, com um simulacro da pistola, Leonardo mostrasse como fez no dia em que Gabriella Custódio foi atingida com um disparo no peito.
Ao final de sua fala, Leonardo pediu perdão à família de Gabriella e disse nunca ter tido a intenção de matá-la. A mãe da jovem começou a chorar e foi acolhida pelo marido, que junto com Andreza, irmã de Gabriella, fizeram sinal negativo com a cabeça, advertindo o ato.
Após a volta do almoço, durante sua fala, o promotor Ricardo Paladino contestou a maioria dos fatos trazidos pela defesa e por Leonardo. Ele também apontou a possibilidade de a arma ser de Leonardo e não de seu pai, Leosmar, e desacreditou que a pistola foi comprada um dia antes da morte.
“Estou plenamente convencido de que o que ele fala não se sustenta. Muito pelo contrário, desde o dia do crime até hoje ele esconde provas e segue o caminho tortuoso da mentira”, declarou.
O promotor apresentou vídeos de depoimentos de audiência de instrução e exibiu cenas da chegada da garota carregada no colo para dentro do Hospital Bethesda. Além disso, usou um boneco de corpo humano e o simulacro de uma arma a fim de contradizer a simulação apresentada pelo réu.
Os familiares da vítima e do acusado não olhavam para o telão no momento em que os vídeos eram reproduzidos.
“Ele bota ela na maca como objeto e vai embora, nem olhou pra trás. Ele largou o corpo como um pedaço de carne no açougue”, afirmou.
Além disso, o promotor disse que Leonardo “não tem responsabilidade com nada”, já que alegou que a arma disparou sozinha e que o pai se desfez da arma e dos celulares dele e de Gabriella.
“A arma que iria te inocentar. Um homem adulto, no segundo relacionamento, não tem responsabilidade com nada. Nunca é ele”.
Paladino também contestou o depoimento de Leonardo quando diz que deixou Gabriella no hospital e saiu para buscar os documentos dela, mas não retornou.
“Ele ficou dez segundos lá dentro. Que amor é esse? Dez segundos durou o amor dele”, disse, mostrando as imagens da câmera de segurança do Bethesda.
Outra situação em que contrariou o réu foi quando ele disse ter visto a companheira abrir os olhos depois que foi colocada no porta-malas. “Quando ela chegou ao hospital, de acordo com perito, não tinha mais batimentos. Nenhum local do corpo tinha sinal de sangue”, apontou.
Antes de finalizar, Paladino colocou um áudio onde o pai de Leonardo conta para a família de Gabriella, que mora em Penha, sobre o suposto tiro acidental. Leosmar dizia “não sei o que fazer. Não sei se me mato”, enquanto se desculpava.
Com base no depoimento do pai, constatou que Leosmar estava com os celulares de Gabriella e Leonardo “dias após” a morte da jovem, e foram destruídos por ele.
O promotor ainda esvaziou a sala do júri, contando apenas com a presença dos jurados e do magistrado, para apresentar o depoimento de testemunhas protegidas. Ele usou seu tempo de 1h30 para sustentar a acusação.
Desde o início, a defesa de Leonardo Martins defendeu a tese de que o acusado não teve a intenção de matar a vítima. “Se ele tivesse este histórico de violência, apareceria na época da Pâmela (ex-namorada). Eles tinham uma convivência harmoniosa”, defendeu Jonathan Moreira dos Santos, um dos três advogados da defesa.
O advogado também contestou a alegação de feminicídio do delegado Elieser Bertinotti, um dia após a morte, “sem ouvir testemunhas”. Santos também disse que Leonardo se arrepende de não ter ficado no hospital com a Gabriella e apontou que ele foi coagido pelo pai a fugir.
“Ele é filho único, talvez até um pouco mimado, mas o que se sucedeu tem um papel fundamental. Ele deveria mostrar os celulares, o local da arma, sim, deveria. Mas foi orientado a não fazer pelo pai”, alegou.
Santos ainda afirmou que se a intenção fosse de matar, “ele não iria levar para a casa da mãe, colocar no próprio carro e levar ao hospital”.
Deise Kohler foi a segunda advogada da defesa a falar e afirmou que falar sobre feminícídio é uma parte que lhe toca, por ser mulher e porque “não admite” o crime. Ela falou que quando há abuso no relacionamento, há sinais que podem ser notados, o que não foi o caso do casal, já que os conhecia antes mesmo do ocorrido.
“Se ela estivesse sofrendo, não sairia desta relação?” Questionou. Ela ainda disse: “Eu conheço o bebê chorão que ele é. Ele não tira a vida nem de um cachorro doente”.
Para a defesa, Leonardo estava com o “dedo levemente no gatilho” e, quando foi mostrar a arma, colocando a pistola da mão direita sobre a palma da esquerda, com o impacto, aconteceu o tiro., o que também explicaria a trajetória do tiro.
“Quem não sabe o que faz (com a arma), a primeira coisa que faz é colocar o dedo no gatilho”, defendeu Deise.
Para finalizar a fala de 1h30, o advogado Pedro Wellington Alves da Silva disse que a defesa não estava “passando a mão na cabeça”, mas defendiam a hipótese que o tiro foi acidental.
Durante a uma hora concedida para a réplica do MP-SC, o promotor Ricardo Paladino reiterou que todo processo da defesa se baseou em mentiras e que foi o próprio Leonardo que pegou a arma, o carregador e os celulares e pôs no carro para se desfazer dessas provas.
Ele também apontou, com base em depoimentos de familiares e do próprio réu que haviam contradições em suas versões apresentadas. Após listar passagens policiais de Leonardo, disse que “a vida dele era muito mais errada” do que tinha para mostrar.
Enquanto apontava para família de Gabriella, se direcionou aos jurados dizendo que, se acolhessem a tese de homicídio culposo, Leonardo sairia livre do júri. “Quando eu parar de falar, a Gabi cala comigo”, advertiu.
A tréplica da defesa de Leonardo também durou uma hora e houve intensa discussão entre o assistente de acusação e advogado da família de Gabriella, Marco Aurélio Marcucci, e o advogado de defesa Jonathan Moreira dos Santos.
O desentendimento ocorreu porque a defesa mostrou um vídeo em que Marcucci fala sobre o manuseio de armas. O advogado alegou que as imagens validavam a argumentação de que armas podem provocar tiros acidentais.
“Estão induzindo o júri ao erro”, disparou Marcucci. Ele chegou a chamar o colega de profissão de “palhaço”. O juiz Gustavo Aracheski precisou intervir.
A defesa ainda alegou que a polícia errou ao não ir à residência do casal averiguar se havia indícios de briga. Também disse que nenhum vizinho foi ouvido, sequer procurado para prestar esclarecimentos sobre a convivência de Gabriella e Leonardo.
Jonathan Moreira dos Santos afirmou que Leonardo fez de tudo para colaborar com as investigações, no entanto, o pai dele sumiu com as provas e “ficou na conta do Leonardo”.
Um ponto bastante batido pela defesa é que, em nenhum momento, a acusação apresentou o que teria motivado Leonardo a cometer o crime, descartando a tese de feminicídio.
“Ele errou. Se não sabe manusear uma arma, não toque nela. Não queremos que ele seja absolvido”, disse Deise, pedindo justiça na sentença.
A mãe de Leonardo, Márcia Martins, saiu durante a réplica do promotor Paladino e não retornou durante a leitura da sentença.
Leonardo ouviu sua condenação de pé, cabeça baixa e rodeado por seus advogados. Ele foi condenado a 12 anos de prisão em regime fechado. O júri considerou o réu culpado por homicídio qualificado. O conselho da sentença entendeu que não houve a intenção de matar na circunstância de violência doméstica e não acatou a qualificadora de feminicídio.
A família de Gabriella, que esperava condenação em pena máxima, não ficou satisfeita com o resultado.